Ayatollah Khamenei envia acordo nuclear para os conservadores do Parlamento

Supremo líder do Irão contraria a posição do Governo moderado e ameaça com o triplo das centrifugadoras caso as sanções económicas ao país não sejam canceladas definitivamente.

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Ali Khamenei, ao centro, é visto como o "arquitecto" do acordo, o que torna improvável um chumbo no Parlamento AFP

O supremo líder do Irão contrariou as ambições do Governo moderado do Presidente Hassan Rouhani e decretou nesta quinta-feira que o acordo sobre o programa nuclear no país terá de passar pelo Parlamento, onde a maioria dos deputados são religiosos conservadores e suspeitam das intenções dos parceiros ocidentais, em especial as dos Estados Unidos.

Num discurso ao país, narrado pela televisão do Estado, o Ayatollah Ali Khamenei continuou sem se declarar a favor ou contra o acordo que limitará a exploração nuclear em Teerão por dez anos, a troco do fim das sanções económicas ao país. Mas indicou que “o Parlamento não se deve pôr à margem do tema”. “Não estou a dizer que os deputados devam aprovar ou rejeitar [o acordo]. A decisão é deles”.

O Presidente Hassan Rouhani opõe-se a esta via. É improvável que o Parlamento chumbe o documento, mesmo tendo em conta as reservas públicas de Khamenei e seus aliados – apesar de tudo, escreve o New York Times, o líder supremo é visto como “o arquitecto” do acordo. Na perspectiva do Governo, contudo, transformar as regras do acordo em lei dificultará a sua implementação. Sobretudo tendo em conta que há vários pontos sensíveis ainda por clarificar e que estes se podem tornar mais conflituosos caso os deputados conservadores tenham uma plataforma de onde manifestarem a sua oposição.

Mas Khamenei quer que o Irão tenha ainda algo a dizer sobre as pontas soltas no documento. Nesta quinta-feira, o supremo líder iraniano ameaçou triplicar as centrifugadoras de urânio ao fim dos dez anos de inspecções, caso as sanções económicas ao Irão sejam apenas interrompidas e não anuladas por completo. Esta via tem sido defendida por vários responsáveis do Governo norte-americano, que combatem em Washington a oposição de vários grupos de interesses ao acordo.  

“Nesse caso poderemos triplicar o número de centrifugadoras para as 60 mil, ter níveis de 20% em urânio enriquecido e acelerar as nossas actividades de investigação e desenvolvimento”, afirmou Khamenei. "Se as sanções não forem canceladas, não há nenhuma concessão. Este assunto deve estar claro."

Ainda não se sabe qual será a ordem de trabalhos para o Parlamento iraniano. O discurso de Khamenei nesta quinta-feira foi anunciado depois de um encontro entre o supremo líder, Rouhani e o Conselho de Especialistas – um grupo de teólogos islâmicos que supervisiona, nomeia e pode destituir o Ayatollah. Por enquanto, o documento assinado pelo Irão e seis parceiros nucleares, em Julho, está a ser analisado por um comité de especialistas no Parlamento. No entanto, o Governo ainda não apresentou qualquer proposta de lei aos deputados.

Avanços nos EUA

Do lado norte-americano, o Presidente dos Estados Unidos conseguiu quarta-feira os votos necessários para fazer valer o acordo nuclear no Congresso. O apoio da senadora democrata Barbara Mikulski assegura que Barack Obama pode vetar qualquer chumbo que venha da maioria republicana no Congresso.

Mas a Casa Branca ainda não terminou o combate pelo acordo iraniano. Para além do Partido Republicano, a Casa Branca tem também de lidar com vários grupos de interesse: em Washington, Joe Biden reuniu-se nesta quinta-feira com líderes da comunidade judaica; e, na frente diplomática, Obama recebe na sexta-feira a visita do rei Salman, o líder da Arábia Saudita. 

Os diários New York Times e Guardian, norte-americano e britânico, respectivamente, avançavam em duas reportagens publicadas esta quinta-feira que grupos de lobby contrários ao acordo com o Irão gastaram dezenas, senão centenas de milhões de dólares nas últimas semanas a tentar aliciar congressistas e influenciar a opinião dos eleitores nos Estados Unidos.

É uma rede de influências à qual nem sequer o Ayatollah Khamenei parece ser indiferente. “É claro, eu acredito que a luta doméstica nos Estados Unidos é real”, disse esta quinta-feira o supremo líder.
 

   

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