Ataque à comitiva de Dhlakama confirma fragilidade da paz em Moçambique

Líder da Renamo saiu ileso. Episódio motivou troca de acusações com a polícia e soma-se a outros incidentes, nas últimas semanas.

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Encontro entre Nyusi, à direita, e Dhlakama, em Fevereiro não teve os resultados desejados SÉRGIO COSTA/AFP

Um ataque à comitiva automóvel do líder da oposição, Afonso Dhlakama, sábado à noite, motivou uma troca de acusações com a polícia e confirmou a fragilidade da paz em Moçambique – quase um ano após as eleições cujos resultados continuam a ser contestados pelo seu partido, a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana, antiga guerrilha).

Dhlakama saiu ileso e atribuiu o que considera uma “emboscada planificada” ao partido governamental. “Foi a Frelimo [Frente de Libertação de Moçambique]”, disse, horas depois.

As forças de segurança negam a autoria do ataque, ocorrido na província de Manica, no centro. “Quem disparou não consigo descortinar”, disse à agência Lusa Armando Mude, o comandante provincial da Polícia da República de Moçambique (PRM). “Ou a Renamo entrou na emboscada ou fez a emboscada”, acusou. Não houve, nas primeiras horas após o incidente, qualquer comentário do Governo nem da Frelimo.

O ataque, testemunhado pela agência noticiosa portuguesa, foi feito por homens que jornalistas, membros da Renamo e o próprio Dhlakama identificaram no local como sendo elementos da Unidade de Intervenção Rápida, um corpo especial das forças de defesa e segurança de Moçambique.

Mais tarde, em conferência de imprensa, apesar de antes ter atribuído a acção a homens das forças governamentais, o dirigente oposicionista afirmou que a noite cerrada não lhe permitiu ver com clareza os atacantes. Os jornalistas, nota a Lusa, viram atacantes feridos com uniformes da Unidade de Intervenção Rápida.

Do tiroteio, em Chibata, junto do rio Boamalanga, quando Afonso Dhlakama regressava de um comício em Macossa e se dirigia para Chimoio, resultaram, segundo a Renamo, pelo menos sete feridos, três da Renamo e quatro do grupo atacante.

O carro do líder da Renamo foi atingido com um tiro na porta esquerda, o da sua segurança privada ficou com o pára-brisas partido e os pneus de um terceiro foram furados por balas.

“Se eu tivesse apanhado os tiros e morresse, vocês [jornalistas] participariam num enterro e entraria um malandro pior do que Dhlakama”, declarou.

Em Outubro de 2013, a base da Renamo em Satungira, na Gorongosa, onde estava Afonso Dhlakama, foi atacada por forças governamentais. Nos meses seguintes, sucederam-se no centro ataques que criaram uma situação de guerra não declarada e puseram em perigo o acordo de paz, que em 1992 tinha posto fim a 16 anos de guerra civil.

Em Setembro de 2014, um acordo de cessação de hostilidades permitiu a realização em paz das eleições gerais de Outubro em que foi eleito o actual Presidente, Filipe Nyusi, e a Frelimo renovou a maioria parlamentar. Mas a Renamo não reconheceu, e continua a não reconhecer, os resultados do escrutínio – que considera fraudulento – e exige governar em seis províncias em que reclama vitória. Antes, chegou mesmo a anunciar a intenção de criar uma república do Centro e Norte.

O Governo de Nyusi e a Renamo não chegaram a acordo sobre o desarmamento do partido de oposição, que abandonou as negociações, e nas últimas semanas ocorreram vários episódios de violência na província de Tete, no centro. Na quarta-feira, Dhlakama acusou o executivo de “perseguição e provocação”. “Se eu quisesse responder a estas provocações estaríamos a contabilizar mortos”, disse, citado pela rádio Voz da América.

Já depois do ataque de sábado, o líder oposicionista afirmou que o diálogo “não vai parar”, embora só aceite encontrar-se com o Nyusi – com quem se reuniu em Fevereiro, após a posse do actual chefe de Estado – para “falar sobre o futuro”, não para “apertar a mão para dizer que há estabilidade em Moçambique”. Paralelamente tem dado sinais de força: anunciou recentemente a instalação de um quartel na província da Zambézia e a criação de uma polícia do partido.

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