O Syriza deixou cair o “radical” para a segunda vida de Alexis Tsipras

O primeiro-ministro grego continua a enfrentar enormes desafios, depois de umas eleições em que a abstenção venceu.

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Alexis Tsipras recebeu do Presidente Prokopis Pavlopoulos mandato para formar Governo Alkis Konstantinidis/Reuters

O resultado das eleições gregas de domingo confirmou que Alexis Tsipras é o único jogador em campo na política grega. Apesar de a abstenção ter sido o principal vencedor, o seu partido, o Syriza, ficou a apenas um ponto abaixo do que tinha obtido em Janeiro. Junto com o seu parceiro de coligação, os Gregos Independentes (ANEL na sigla em grego), tem sensivelmente o mesmo número de deputados (menos sete do que na anterior legislatura), ou seja 155 entre 300.

Com jornalistas à espera de uma declaração à porta da sede do Syriza, responsáveis do partido disseram apenas que o novo chefe de Governo anunciou que terá como objectivo imediato “restaurar completamente a estabilidade da economia grega e dos bancos gregos”, quando ainda estão em vigor alguns controlos de capitais. A sua primeira grande batalha, sublinhou Tsipras aos responsáveis do Syriza, é conseguir uma medida de alívio da dívida, que o Fundo Monetário Internacional tem defendido mas que encontra enorme resistência em vários países europeus, sendo rejeitada pela Alemanha.

Tsipras tinha apostado em eleições antecipadas para lhe permitir continuar a governar com um partido sem elementos radicais de esquerda que dificultassem a aprovação de medidas difíceis no Parlamento – as eleições foram marcadas depois de ter assinado um acordo para um terceiro empréstimo e ter contado com o apoio da oposição para aprovar esse acordo no Parlamento.

Conseguiu-o, mantendo longe do Parlamento o partido do seu ex-ministro, Panagiotis Lafazanis, e da antiga presidente do Parlamento, Zoe Konstantopoulou, que saíram do Syriza (o primeiro formou um novo partido, a que a segunda se juntou nestas eleições como independente). A Unidade Popular, que defendia a saída da Grécia do euro, obteve apenas 2,8% (é necessário um mínimo de 3%). Candidatos do partido tinham recebido, dias antes, o apoio do antigo ministro das Finanças, Yanis Varoufakis.

Resta ver se Tsipras, que foi muito criticado dentro do Syriza pelo modo como não ouviu os membros do partido, vai ser visto como o homem que vence eleições ou se haverá ainda potencial para ideias muito diferentes das suas.

Cortar com o passado
A outra grande vitória do líder do Syriza terá sido afirmar este como o partido que quer cortar com o passado. O seu rival da Nova Democracia, Evangelos Meimarakis, contava que o seu modo de estar directo e popular (há quem diga que ele é o tio que veio da província para Atenas e fala calão que todos os gregos têm) o ajudasse a obter uma votação melhor, mas isso não ajudou. Meimarakis é um líder interino e a Nova Democracia deverá agora escolher um novo, ou nova, presidente.

O Governo não é o executivo alargado que muitos esperavam. O Partido Socialista (Pasok) conseguiu mais do que o antecipado e há quem já veja o início da sua recuperação, mas representa o “antigo sistema” contra o qual Tsipras garantiu que iria lutar. E To Potami (O Rio), o partido visto como não ideológico, apostando em tecnocratas e pró-europeu, teve uma descida marcada e com 4%, ficou em sexto lugar, atrás dos comunistas, perdendo qualquer força que tivesse tido em Janeiro, quando foi o quarto partido mais votado.

No fundo, o Syriza parece ter tomado na política grega o lugar que durante 40 anos foi o do Pasok. Havia quem defendesse o voto no Syriza como um voto útil (discordando do partido mas preferindo uma formação de esquerda moderada a um radical para evitar um governo conservador), e havia mesmo quem apontasse semelhanças entre o tom de alguns discursos de Tsipras e os de Andreas Papandreou. Isto numa altura em que, ironicamente, estas eleições foram as primeiras em que não participou nenhum Papandreou (o partido entretanto formado por George, o antigo primeiro-ministro, não concorreu desta vez).

A grande vitória foi da abstenção, o que é digno de nota num país tão politizado, embora explicado pelo facto de o programa do Governo já estar definido à partida pelo acordo para um terceiro empréstimo de 86 mil milhões para os próximos três anos. A participação foi de 56,55%, quando em Janeiro foi de 63,3%. O Syriza conseguiu não descer significativamente em percentagem, mas perdeu uma enorme massa de eleitores, 300 mil votos.

Os sete meses anteriores serviram para Tsipras argumentar que lutou por algo melhor para o país, ao contrário dos seus antecessores – no fundo, enquanto os governos anteriores disseram que não havia alternativa, Tsipras mostrou-o, a não ser que a alternativa fosse a saída do euro, o que a maioria dos gregos não quer. A oposição ao acordo com os credores é neste momento representada no Parlamento apenas pelos neonazis da Aurora Dourada, que se manteve o terceiro partido mais votado com 7%, e pelo Partido Comunista (em quinto lugar, com 5,5%).

Segunda oportunidade
Mas o que os eleitores lhe deram foi uma espécie de segunda oportunidade, e agora será julgado pelo que fizer, e no seu tempo no poder, o governo Syriza-ANEL foi fraco na concretização de reformas, e mesmo em questões que eram caras ao partido de Tsipras, como os refugiados (o governo interino, que esteve em funções desde a demissão de Tsipras até às eleições, pôs a funcionar um campo de acolhimento, aberto, e anunciou mais três, para refugiados que antes estavam num parque), ou a luta contra a corrupção, em que nada pareceu mover-se.

Uma pergunta em relação à decisão de Tsipras manter a coligação com os Gregos Independentes veio do presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, que disse ter telefonado ao líder do Syriza perguntando por que continua “esta coligação com este partido estranho de extrema-direita”. O líder dos Gregos Independentes, Panos Kammenos, não gostou e acusou imediatamente o alemão de “interferência nas questões internas de um país”. Disse ainda que este “não pode, sem consequências, chamar a um partido que não aceite encomendas das indústrias de defesa que o financiam de ‘extrema-direita’”.

É claro para todos que os desafios são enormes e que não está afastado o perigo para a Grécia: o deputado europeu do Syriza Kostas Chrysogonos dizia que se o governo não concretizar as medidas do memorando, o país será expulso da zona euro.

O que é esperado é tanto estabilidade como acção, em desafios tão grandes como a crise dos refugiados – a Grécia continua a ser o principal destino dos refugiados que querem passar para outros países europeus – e a recapitalização dos bancos ou os cortes nas prestações sociais. No seu último discurso de campanha, Tsipras prometeu que iria arregaçar as mangas, e no discurso de vitória disse que trabalharia a partir do dia seguinte, embora avisasse que o caminho não seria fácil.

Esta segunda-feira, uma fonte do Syriza dizia à Reuters que o novo governo deverá ter um organismo para a política europeia que inclua representantes de outros partidos, que aconselharia o ministro das Finanças – espera-se que Euclides Tsakalotos se mantenha no cargo.

A primeira revisão do cumprimento do programa será feita já no final do próximo mês, mas a maioria dos gregos considera que o acordo não vai ser concretizado: segundo uma sondagem do centro de estudos Bridging Europe, 64% dos inquiridos acreditam que o terceiro acordo não será implementado, o que mostra uma grande desconfiança em qualquer governo para concretizar o plano.

Enquanto Tsipras recebia o mandato para formar governo do Presidente, uma tempestade violenta abatia-se sobre Atenas. A mudança repentina do tempo provocou piadas, desde o desagrado dos deuses com o segundo governo de esquerda na Grécia, até à ideia de que esta foi mais uma cedência de Atenas aos credores: até o clima será europeu.

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