As crianças são a principal baixa da guerra em Gaza

Ao décimo segundo dia de uma ofensiva que desde sexta-feira já é terrestre, é difícil antecipar os planos de Israel. O Hamas está mais fraco e os aliados dos israelitas mais pacientes.

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Um palestiniano segura as suas filhas, Shada e Lama al-Ejla, feridas num ataque de um tanque israelita AFP/MAHMUD HAMS
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Palestinianos protestam contra a operação militar em curso AFP/ABBAS MOMANI
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Tanques israelitas disparam sobre Gaza: a operação terrestre teve início na sexta-feira AFP/JACK GUEZ
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Uma mulher palestiniana chora à janela à passagem de um cortejo fúnebre AFP/MAHMUD HAMS
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Pai e filho caminham numa rua em Gaza: as sombras voltam a pairar sobre a Palestina AFP/THOMAS COEX
Entre 8 de Julho e as 4 da manhã de sábado foram morta spelo menos 73 crianças palestinianas
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Entre 8 de Julho e as 4 da manhã de sábado foram morta spelo menos 73 crianças palestinianas THOMAS COEX/AFP

A Faixa de Gaza é tão pequena que, ao contrário do que acontece noutros cenários de guerra, é fácil às agências internacionais identificarem rapidamente as vítimas. Chegar daí até à aterradora conclusão de que os menores de idade são o principal grupo de mortos envolve pouco mais do que alguns minutos e uma calculadora.

“Até agora, há mais crianças mortas debaixo do fogo israelita do que combatentes palestinianos”, afirmaram este sábado num comunicado conjunto duas organizações não-governamentais, a War Child e a Defence for Children International. Segundo a agência da ONU para as crianças, “entre o dia 8 de Julho e as 4h da manhã [de sábado], pelo menos 73 crianças palestinianas foram recenseadas como mortas na sequência dos bombardeamentos aéreos e dos ataques por mar e das forças terrestres” de Israel.

“A vítima mais jovem tinha três meses”, disse Catherine Weibel, porta-voz da UNICEF para a Palestina, citada pelas agências de notícias internacionais em Gaza. Entre os 73 menores contabilizados – mais tinham entretanto morrido quando Weibel falou –, havia 53 rapazes e 20 meninas com menos de 18 anos; mais de metade não tinha chegado a completar 12 anos.

Entre os milhares de feridos do enclave palestiniano, 362 quilómetros quadrados, 45 de comprimento e seis a dez de largura, a UNICEF contabilizada já 637 menores. Em Israel, onde os rockets palestinianos provocaram dezenas de feridos (o Governo não tem actualizado os números), quatro são crianças.

Ao décimo segundo dia da ofensiva israelita, destinada a travar o lançamento dos projécteis pouco precisos mas com um alcance cada vez maior na posse dos grupos armados palestinianos, a chefe da diplomacia da União Europeia, Catherine Ashton, pediu um inquérito rápido sobre a morte de tantas crianças. “Já vimos demasiadas mortes de civis, incluindo muitas crianças, como as que morreram numa praia de Gaza”, disse.

Foi na quarta-feira a meio da tarde que quatro rapazes dos nove aos 11 anos morreram num ataque israelita contra uma praia, junto ao porto da Cidade de Gaza. Havia jornalistas no local. Pelo menos cinco crianças ficaram feridas no mesmo ataque. Segundo contou à AFP o pai de um dos rapazes durante os funerais, as crianças estavam a brincar e tinham saído do campo de refugiados de Shati “porque havia muitos bombardeamentos”.

O Exército israelita prometeu investigar “conscientemente” estas mortes, que descreve como “resultado trágico”. Israel, dizem os chefes militares, “não tem intenção de fazer mal aos civis arrastados pelo Hamas, na realidade de um conflito urbano”. Há dois dias, a ONU disse ter pela primeira descoberto armas numa das suas escolas em Gaza – já há 50 mil palestinianos espalhados por mais de 40 instalações da organização da Faixa.

A verdade é que há pouco sítios onde procurar abrigo no território de 1,8 milhões nas margens do Mediterrâneo, onde até ao início da noite de sábado já tinham morrido pelo menos 342 pessoas.

O jornal The New York Times descreve como ao final do dia de sexta-feira alguns habitantes da Cidade de Gaza, a transbordar com a chegada de cada vez mais pessoas em fuga das localidades mais pequenas e dos campos de refugiados, muitos situados nas margens da Faixa, se aventuram a sair à rua. As casas estão tão cheias com os deslocados que as pessoas saíram para comprar pão, “apesar do perigo”.

Depois de um primeiro dia de operações terrestres em que os tanques e os soldados israelitas avançaram muito pouco dentro do território, mantendo-se em zonas rurais, sábado, os militares entraram um pouco mais profundamente: o objectivo, diz o Exército, é destruir locais de lançamento de rockets e os túneis que o Hamas escava para fazer entrar armas e bens básicos numa região sob bloqueio.

Dois soldados mortos

Até sábado, os rockets lançados de Gaza tinham morto um civil israelita. No segundo dia da invasão terrestre, um rocket matou um civil não identificado, membro da comunidade beduína, perto de Dimona, no deserto do Negev, mais de 30 quilómetros a sul de Beersheba, em linha recta com a ponta sul da Faixa de Gaza.

E um dia depois da primeira morte de um militar israelita (por disparos de outro soldado), combatentes palestinianos atravessaram um dos túneis para lançar um primeiro ataque contra o Exército às ordens do Governo de Benjamin Netanyahu. Os militares começaram por dar conta da morte de um combatente de Gaza num incidente que teria deixado dois soldados feridos; mais tarde, confirmaram a morte de dois soldados, de 20 e 45 anos.

Israel diz que a ala militar do Hamas já disparou mais de 1700 rockets de um stock estimado em dez mil. Estes números poderão determinar o prolongamento da invasão terrestre, mas desta vez os cenários são mais difíceis de antecipar: escrevem vários analistas que a fraqueza do Hamas (que perdeu o Irão e o Egipto como aliados) somada a uma maior paciência dos aliados israelitas (como os Estados Unidos) face a uma ofensiva que consideram legitimada pelos rockets lançados de Gaza baralha as contas. Isto e o facto de não haver mediadores que as duas partes estejam dispostas a aceitar.

Seja como for, a guerra não é uma realidade nova por estas bandas. Para muitas crianças de Gaza esta é já a sua terceira guerra desde a operação Chumbo Endurecido, que matou 1400 pessoas na Faixa em três semanas em Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009. De acordo com a UNICEF, antes da actual ofensiva, pelo menos 60 mil crianças já precisavam de apoio psicológico.

 

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