Apesar dos protestos, a Indonésia vai executar nove estrangeiros

Severidade do país no combate ao tráfico de droga já levou ao corte de relações diplomáticas com Brasil e Holanda. Governo de Jacarta é acusado de dualidade de critérios.

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Protesto por Mary Jane Veloso, cidadã das Filipas que diz ter sido enganada ao lhe colocarem heroína na bagagem sem o seu conhecimento Azka/AFP

Os apelos e protestos diplomáticos que tentavam impedir a execução de nove cidadãos estrangeiros na Indonésia de nada serviram. As embaixadas de cinco países representados no grupo de nove condenados por tráfico de droga foram convocadas nesta sexta-feira para a ilha onde as execuções serão levadas a cabo.

Ainda não há data marcada para as execuções e a lei na Indonésia obriga a um aviso com 72 horas de antecedência antes de ser levada a cabo a pena, mas os responsáveis indonésios dizem que já estão a ser feitos os preparativos e que esperam dar essa notificação já neste sábado.

A mensagem partiu do porta-voz do gabinete do procurador-geral da Indonésia, Tony Spontana. Ao New York Times, o responsável indonésio afirmou que “a hora das execuções está a aproximar-se”.

As sentenças despertaram protestos em quase todos os países de origem dos condenados. No grupo dos nove estrangeiros condenados à morte por tráfico de droga há três nigerianos, dois cidadãos australianos, um brasileiro, um francês, uma filipina e um cidadão do Gana. Há ainda um décimo condenado, um indonésio cujo último recurso está a ser avaliado em tribunal e é por isso que as restantes nove execuções ainda não avançaram. Um atraso que, diz Tony Spontana, será solucionado “o mais cedo possível para que tenhamos a possibilidade de determinar o Dia-D”.

Brasil e Holanda já haviam retirado os seus embaixadores da Indonésia como resposta à execução de cidadãos seus por tráfico de droga na Indonésia. Rodrigo Gular será agora o segundo cidadão brasileiro a ser executado no espaço de quatro meses. A sentença, dizem os seus advogados, ignorou o facto de Gular ter sido diagnosticado com esquizofrenia.

A Austrália já ameaçou retirar os diplomatas da Indonésia caso a execução dos seus dois cidadãos vá em frente e a França poderá seguir uma via semelhante. Citado pela AFP, o Presidente francês, François Hollande, disse que a execução do cidadão francês “prejudicará a Indonésia e prejudicará as relações que nós temos com ela”.

Guerra às drogas
Aos apelos contra a execução dos cidadãos estrangeiros juntaram-se as vozes do presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e da responsável pela política externa da União Europeia, Federica Mogherini. “Reconhecemos que a Indonésia enfrenta um problema crescente de [tráfico de] droga, mas a experiência de outros países mostra que a pena capital não é a resposta”, afirmou nesta sexta-feira Federica Mogherini, citada pela AFP.

Desde que foi eleito Presidente da Indonésia, em Julho de 2014, Joko Widodo declarou guerra às drogas no país. Apesar das consequências diplomáticas que já atingiram a Indonésia, Widodo insiste em não dar clemência a qualquer pessoa envolvida em crimes de tráfico de drogas, mesmo que não passem de “mulas de transporte”, como é o caso de Mary Jane Veloso, a cidadã filipa que espera agora o esquadrão de tiro. 

“Nós não nos vamos comprometer com traficantes de droga” disse Widodo à CNN em Fevereiro, respondendo às ameaças diplomáticas australianas. O Presidente indonésio defende a sua postura de tolerância zero com as consequências do tráfico de drogas no seu país. “Todos os dias temos cinquenta pessoas a morrer por causa de narcóticos”, explicou.

A severidade com que Jacarta toma em mãos casos de tráfico de drogas é um duro contraste com a sua política de defesa de cidadãos indonésios no estrangeiro, como explica à rádio australiana ABC Tobias Basuki, do Centro de Estratégia e Estudos Internacionais de Jacarta. Para o investigador, a política da Administração de Widodo “mina a legitimidade moral com que o Governo indonésio apela e luta pelas vidas dos nossos próprios cidadãos”.

Para Widodo, contudo, o tráfico de drogas na Indonésia é uma situação de “emergência nacional” e não admite que outros países tentem intervir. “Não interfiram nas execuções, porque é o nosso direito soberano aplicar as nossas leis”, afirmou o Presidente da Indonésia, citado pelo New York Times.

Mas isso não impede que o Governo de Joko Widodo se esforce por travar execuções no estrangeiro de cidadãos indonésios. Alguns deles condenados também por tráfico de droga.

Numa carta aberta enviada a Joko Widodo em Fevereiro, a Amnistia Internacional protestou contra aquilo que entende ser uma dualidade de critérios de Jacarta, no que toca à avaliação da severidade de crimes de tráfico de droga na Indonésia e no estrangeiro.

“O Ministério dos Negócios Estrangeiros [da Indonésia] anunciou que procura impedir a execução de pelo menos 229 cidadãos indonésios que enfrentam a pena de morte no estrangeiro, por crimes como os de tráfico de droga”, lê-se na carta da Amnistia Internacional. A organização conclui: “Embora elogiemos o objectivo de clemência do Governo indonésio para os que enfrentam execuções no estrangeiro, o uso corrente da pena de morte em território nacional reflecte uma perturbantea dualidade de critério.” 

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