Ao trigésimo minuto, Schulz finta o PS

1. Na quarta-feira passada, teve lugar o primeiro debate entre Jean-Claude Juncker e Martin Schulz, os dois candidatos ao cargo de Presidente da Comissão Europeia, propostos pelo Partido Popular Europeu (a que pertencem o PSD e o CDS) e pelo Partido Socialista Europeu (de que faz parte o PS).

Neste debate, transmitido pela estação de língua francesa France 24, exactamente ao trigésimo minuto, o socialista Martin Schulz fez uma declaração surpreendente que fulmina e reduz a pó a única ideia europeia que o PS tem agitado. Com a conhecida crueza e frontalidade alemã, que por vezes raia o desconcerto, e a propósito da mutualização da dívida, Martin Schulz declarou textualmente: “Les eurobonds ne sont pas sur l’agenda!”. Frase que, de resto, voltou a repetir, depois de explicar que a ideia dos “eurobonds” – e, portanto, da mutualização da dívida – fez curso quando as taxas de juro nos mercados eram extremamente altas. Mas agora – prosseguiu –, especialmente depois da actuação do Banco Central Europeu e do seu presidente, Mario Draghi, os eurobonds já não estão na agenda europeia!

2. É bem sabido que de há largo tempo, o PS português e, em particular, o seu líder António José Seguro, têm concentrado o seu parco discurso europeu numa única ideia, justamente a ideia de mutualização da dívida (designadamente, na parte que esteja acima do critério dos 60%). A questão foi posta mais intensamente na ordem do dia, a propósito do Manifesto dos 74 e do seu apelo à chamada reestruturação. O Manifesto dos 74 gerou nas hostes do Partido Socialista uma posição assaz ambígua, projectada em reacções muito diferenciadas. Reacções que vão desde os que parecem ter uma simples objecção terminológica ao emprego da palavra “reestruturação” àqueles que defendem expressis verbis um perdão de dívida (como, por exemplo, João Galamba), passando por aqueles outros que o rejeitam assumidamente (como, por exemplo, Elisa Ferreira). Alguns socialistas, justamente para fugirem ao termo “reestruturação” e esconjurarem o cenário de “perdão de dívida”, falam, pelo seu lado, em renegociação da dívida. E com essa ideia de renegociação parecem pensar em duas vias diversas. Uma primeira via que aponta para uma possível baixa de juros e alargamento de maturidades dos empréstimos, via esta que não tem qualquer originalidade, uma vez que o Governo em funções, de modo discreto e em acordo com os credores, já obteve, por mais de uma vez, esse resultado. Uma segunda via, que é todos os dias reiterada com a auréola de uma solução mítico-mágica, corresponde precisamente a um programa de mutualização da dívida. É aqui que António José Seguro tem centrado todo o seu debate europeu e toda a sua estratégia para a resolução do problema da dívida portuguesa.

3. Importa dizer que também no âmbito do Partido Popular Europeu e, de resto, no quadro do programa europeu dos partidos portugueses que apoiam o Governo, não se exclui o caminho futuro de uma mutualização. A diferença está, todavia – como muito bem nota Jean-Claude Juncker no debate, nos minutos que antecedem aquele fatídico trigésimo minuto – em que uma futura mutualização, para ser viável e bem sucedida, depende de um conjunto de condições, pressupostos e de pré-requisitos que não estão verificados. Juncker, aliás, chama a atenção para que esse processo não pode avançar sem a vontade política dos Estados e que, neste momento, ela não existe manifestamente em alguns deles. A posição do luxemburguês é, por isso, uma posição de realismo e razoabilidade, procurando que, por agora, se trabalhe na criação progressiva dessas condições e pressupostos, para mais tarde voltar a essa questão. Curiosamente, nesse instante, Juncker lembra a Schulz que o SPD alemão – partido a que Schulz pertence e que é membro dos socialistas europeus – deixou cair qualquer pretensão relativa aos eurobonds ou à mutualização no acordo de governo que celebrou com a CDU/CSU de Angela Merkel. É justamente por essa altura, depois de invectivar Juncker por alegadamente ele ser agora mais frouxo na defesa dos eurobonds, que Martin Schulz vem à carga com a frase fatal: “Os eurobonds não estão na agenda!”.

4. Ora, é preciso que o PS explique – e explique cabalmente – como pode ter como principal solução política a mutualização da dívida e o candidato que ele próprio apoia para a presidência da Comissão Europeia declara urbi et orbi que a mutualização está fora da agenda? Ter a mutualização da dívida como a principal solução política da crise na Europa e da dívida em Portugal é já de si um pouco caricato, pois trata-se de uma solução que depende essencialmente de uma mobilização de vontades alheias (sobre as quais pouco podemos actuar). Mas preconizar essa solução programática como a grande receita para a crise, sabendo ao mesmo tempo que o seu candidato à chefia da Comissão não inclui esta solução na agenda europeia, eis o que está para lá do compreensível e até do aceitável. Numa palavra, o PS propõe como principal solução e grande remédio um caminho que acaba de ser excluído pelo seu candidato à Comissão. É bem caso para dizer que Martin Schulz fintou os socialistas portugueses ao dobrar o trigésimo minuto. É bem caso para perguntar: em que ficamos, com a agenda de Schulz ou com a agenda de Seguro?

Deputado Europeu (PSD), cabeça de lista pelo PSD ao Parlamento  Europeu

paulo.rangel@europarl.europa.eu

 

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