Antigo chefe militar da Guatemala condenado a 80 anos de prisão por genocídio

Esta é a primeira vez que um ex-chefe de Estado é condenado no seu país pelo crime. General de 86 anos foi condenado a 80 anos de prisão

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Ríos Montt nega ter ordenado a matança de indígenas ixil Johan Ordonez/AFP

A justiça da Guatemala condenou o antigo chefe da ditadura militar Efraín Ríos Montt por genocídio e crimes contra a humanidade, dando como provado a sua responsabilidade no massacre de indígenas de etnia ixil durante a guerra civil. O general, de 86 anos, ouviu impávido o juiz decretar-lhe uma pena de 80 anos de prisão.

Esta é a primeira vez que um ex-chefe de Estado é condenado no seu país por genocídio – crime que a Convenção das Nações Unidas, de 1948, define como um conjunto de actos cometidos “com a intenção de destruir em todo ou em parte um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

“Os actos de José Efraín Ríos Montt equivalem a genocídio e a pena correspondente deve ser aplicada”, declarou o juiz Jazmín Barrios, decretando-lhe 50 anos de prisão pelo mais gravoso dos crimes previsto pelo direito internacional e 30 por crimes contra a humanidade. O magistrado anunciou ainda que vai requer a transferência do general, actualmente em prisão domiciliária, para um estabelecimento prisional.

Ao ouvir o veredicto, familiares das vítimas, líderes e activistas da causa indígena, incluindo a Nobel da Paz Rigoberta Menchu , celebraram a decisão, enquanto Ríos Montt, vestido num sombrio fato cinzento se manteve em silêncio. Já fora do tribunal, disse que a sua condenação não passou de um “espectáculo político internacional”, confirmando que vai recorrer da decisão.

Estima-se que cerca de 200 mil pessoas tenham morrido durante os 32 anos de guerra civil (entre 1960 e 1996), a maioria indígenas como os ixil, uma das mais pequenas comunidades maias que se mantém na região de El Quiche, no Norte da Guatemala. Em 1994, uma comissão de inquérito das Nações Unidas concluiu que mais de 90% dos crimes ocorridos durante a guerra civil foram perpetrados pelo Exército ou as forças paramilitares que o apoiavam. A justiça guatemalteca já condenou vários dirigentes militares e da polícia a penas de prisão, mas este foi de todos o processo mais mediático.

Ríos Montt, que liderou o governo militar durante 17 meses, entre 1982 e 1983 (o período mais sangrento da guerra civil), foi acusado da morte de 1771 indígenas; da expulsão pela violência de 29 mil pessoas e ainda de tortura e crimes sexuais. José Mauricio Rodríguez, responsável pelos serviços secretos do seu Governo, foi igualmente acusado pelos crimes, mas o tribunal acabou por absolvê-lo.

Inicialmente, o antigo governante – que chegou ao poder num golpe de Estado e se manteve na política até 2012, altura em que se reformou do Parlamento, perdendo a imunidade – recusou responder ao tribunal, mas acabou por quebrar o silêncio no último dia de apresentação dos argumentos da defesa. “Nunca autorizei, nunca assinei, nunca propus e nunca ordenei qualquer atentado contra uma raça, uma etnia ou uma religião. Nunca o fiz”, declarou Ríos Montt.

A acusação chamou dezenas de testemunhas para demonstrar a existência de uma cadeia de comando e hierarquia, e um plano para eliminar os grupos indígenas que os militares suspeitavam estar a colaborar com os rebeldes. A defesa contrapôs que as acções do Exército não eram do conhecimento do ex-general, cuja responsabilidade como chefe do Governo era garantir a integridade territorial da Guatemala e não gerir a guerra civil.

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