Amnistia denuncia “cultura de tortura” na Tailândia

Regime militar é acusado de maus-tratos contra opositores e suspeitos de crimes comuns. Generais negam essas práticas e impediram sessão de apresentação do relatório.

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O general Prayuth Chan-ocha, líder da junta militar tailandesa Chaiwat Subprasom / Reuters

“Ai” foi detido em Fevereiro de 2015 no norte da Tailândia e entregue ao Exército Real. Durante uma hora, os soldados deram-lhe choques eléctricos no ouvido, narinas, pescoço e lábios. “Vi tudo escuro, como se um pugilista me tivesse esmurrado a cabeça. Primeiro, não senti nada, depois perdi a consciência.”

A junta militar que governa a Tailândia é acusada de promover uma “cultura de tortura” tanto contra os seus críticos e opositores, como contra detidos por suspeita de delitos comuns. Um relatório da Amnistia Internacional (AI) revelado esta quarta-feira dá conta de 74 casos que envolvem a prática de espancamento e afogamentos.

“Ai” (nome fictício) foi detido sob suspeita de tráfico de droga, mas diz ter apenas sido apanhado a frequentar uma organização não-governamental que apoia toxicodependentes e lhes fornece metadona. Um funcionário de uma destas organizações disse à AI que a violência dos militares contra os toxicodependentes é algo de “normal”, especialmente desde que a junta militar subiu ao poder, após o golpe de 2014.

Há mais de dois anos que a Tailândia é governada com mão-de-ferro pelos generais do Exército Real que derrubaram o Governo eleito de Yingluck Shinawatra. Nos meses anteriores, a pressão sobre o executivo de Yingluck cresceu, motivada por várias manifestações em Banguecoque. Os militares tomaram o poder com o pretexto de fazer regressar a ordem pública ao país e com a promessa de convocarem novas eleições. Porém, sucessivos adiamentos levam vários analistas a recear que o domínio militar se mantenha por mais tempo.

O relatório da AI, “Façam-no falar até amanhã: Tortura e maus-tratos na Tailândia, vem revelar a forma como o Exército tem permitido que “uma cultura de tortura floresça, na qual não existe responsabilização para os perpetradores nem justiça para as vítimas”, disse o director regional da AI, Rafendi Djamin.

As conclusões da investigação baseiam-se em entrevistas com vítimas de tortura, familiares e alguns responsáveis do Governo, feitas durante seis visitas ao país nos últimos dois anos.

Os militares, liderados pelo general Prayuth Chan-ocha, negam as acusações de tortura. “As nossas investigações sobre essas alegações não mostraram qualquer indicação de tortura, eu não vi qualquer indicação de tortura e os tailandeses não viram qualquer indicação de tortura”, disse à Reuters o porta-voz do primeiro-ministro, o general Sansern Kaewkamnerd.

De qualquer forma, parece ser certo que o relatório incomodou os generais tailandeses. A conferência de imprensa de apresentação da investigação convocada pela AI foi cancelada depois de um grupo de polícias ter aparecido no hotel marcado, meia hora antes do início do evento, segundo o Bangkok Post. As autoridades avisaram que quem falasse durante a conferência poderia vir a ser acusado de violação do direito laboral.

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