Al-Qaeda estará a financiar programa para combater ataques com drones

Documentos obtidos por Edward Snowden mostram que a rede tem uma célula de investigação e desenvolvimento, com o objectivo de desviar, destruir ou assumir o controlo dos aparelhos usados pelos EUA para matar em países como o Afeganistão ou Paquistão.

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Os ataques com drones já mataram cerca de 3000 pessoas na última década, incluindo um número elevado de civis Khaled Abdullah/Reuters

Os serviços secretos norte-americanos estão preocupados com a aparente determinação da liderança da Al-Qaeda em desenvolver tecnologia para abater ou assumir o controlo dos drones usados pela CIA e pelo Pentágono em países como o Afeganistão, Paquistão, Iémen ou Somália.

Os pormenores dos relatórios dos serviços secretos, revelados nesta quarta-feira pelo jornal The Washington Post, a partir de documentos obtidos pelo analista informático Edward Snowden, mostram que a Al-Qaeda criou células especializadas em engenharia e tecnologia – uma espécie de centro de investigação e desenvolvimento para explorar as vulnerabilidades dos aviões não tripulados, cujos ataques assassinaram cerca de 3000 pessoas na última década, muitas dos quais combatentes mas também um elevado número de civis.

Os mesmos documentos garantem que ainda não foi registada nenhuma operação bem-sucedida para impedir um ataque com um drone, mas não têm faltado ideias aos engenheiros recrutados pela Al-Qaeda, especialmente a partir de 2010.

Intitulado "Ameaças aos Veículos Aéreos Não Tripulados", o relatório obtido por Edward Snowden é, na prática, um resumo de "dezenas de avaliações feitas pelos serviços secretos dos EUA desde 2006", segundo o The Washington Post.

A principal preocupação das autoridades norte-americanas é a quebra da ligação entre os drones e os satélites. Na maioria dos casos, a ligação é restabelecida em pouco tempo e os aparelhos têm instruções para regressarem ao seu ponto de partida se a falha não for solucionada rapidamente. Apesar desta precaução, a falha de ligação com os satélites terá sido a causa da queda de pelo menos dois drones norte-americanos – um na fronteira entre o Iraque e a Turquia e outro no Irão, em Dezembro de 2011, que as autoridades locais dizem ter abatido. Um outro drone norte-americano foi atingido por caças iranianos em Novembro de 2012, mas era um aparelho de vigilância.

A informação transmitida entre os drones e os satélites é codificada, pelo que será mais difícil desenvolver tecnologia para assumir o controlo de um dos sofisticados Predator ou Reaper do Pentágono e da CIA (uma equipa de investigadores da Universidade do Texas em Austin conseguiu assumir os comandos de um drone através da manipulação do sinal de GPS, mas tratava-se de um pequeno drone civil).

Al-Qaeda "financia vários projectos"

Apesar das dificuldades técnicas, um relatório da Agência de Serviços Secretos de Defesa (DIA, na sigla original), elaborado em Julho de 2010, informa que a Al-Qaeda "está a financiar vários projectos de investigação para desenvolver dispositivos que interfiram com os sinais de GPS e com os marcadores de infravermelhos, usados pelos operadores de drones para determinarem os alvos dos mísseis".

Mais do que financiar vários projectos, os serviços secretos norte-americanos acreditam que a liderança da Al-Qaeda "acompanha os progressos de cada projecto e tem a capacidade para transferir componentes de um projecto para outro".

Apesar de a Administração Obama ter declarado em várias ocasiões que as capacidades militares da Al-Qaeda estão "muito enfraquecidas" – em grande parte graças ao programa de drones, lançado ainda na Presidência de George W. Bush mas muito reforçado por Barack Obama –, a rede parece estar bastante activa no recrutamento de militantes com conhecimentos em tecnologia. Segundo os documentos revelados pelo The Washington Post, um relatório de 2010 da CIA indica que um dos líderes operacionais da Al-Qaeda, o líbio Atiya Abd al-Rahman, afirmou mesmo que a rede não precisa de "combatentes comuns", mas sim de "pessoal especializado".

Num outro relatório, da DIA, datado de 2011, lê-se que "a célula de investigação e desenvolvimento com ligações à Al-Qaeda não tem, presentemente, conhecimento técnico para criar um sistema anti-drones", mas admite que a rede pode vir a ter sucesso, "se conseguir ultrapassar obstáculos de monta". "Acreditamos que um sistema desse tipo poderia ser altamente disruptivo para as operações norte-americanas no Afeganistão e no Paquistão", conclui o documento.

Expressões proibidas

Para além das considerações sobre a estratégia de combate aos ataques com drones, os serviços secretos norte-americanos mostram-se também preocupados com os termos usados em público.  

Num relatório de 2010, as autoridades dos EUA admitiam que os assassinatos com drones podiam ser "alvo de um escrutínio cada vez mais apertado, entendidos como ilegítimos e abertamente contrariados ou enfraquecidos". Para fazer face a este cenário, seria necessário evitar a utilização de determinados termos.

"'Drones' transmite a ideia de autómatos sem discernimento, sem capacidade para produzirem pensamentos e acções com independência. 'Ataques' transmite a ideia de um primeiro ataque, que deixa a vítima sem capacidade de resposta. Outras expressões que provocam uma resposta emocional incluem 'Lista de assassinatos', 'Esquadrões de ataque', 'Guerra robótica' ou 'Assassinos aéreos'", lê-se no documento.

Em alternativa, as autoridades norte-americanas sugerem o uso de expressões como "operações letais com veículos aéreos não tripulados"; "direito legítimo à auto-defesa"; e "acção militar preventiva".

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