Merkel responde à chamada francesa e entra na coligação contra Estado Islâmico

Berlim vai enviar seis aviões de reconhecimento, um de abastecimento e uma fragata para o Médio Oriente. Contingente de 1200 soldados será a maior operação alemã no estrangeiro

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Um caça Tornado alemão, em Mazar-e-Sharif. Hannibal Hanschke/Reuters

Angela Merkel disse na semana passada em Paris que a Alemanha tinha “o dever de reflectir” quando o seu principal aliado europeu lhe pedia ajuda, mas só agora ficou claro até que ponto Berlim está disponível a ir em nome dessa solidariedade. Ao arrepio da política de não-intervenção e da prudência que a chanceler sempre manifestou perante aventuras militares alheias, o Governo alemão decidiu entrar na coligação contra o Estado Islâmico, enviando para o Médio Oriente um navio e aviões de reconhecimento militar.

“O Estado Islâmico representa uma ameaça à paz mundial e à segurança internacional”, justificou a chanceler alemã, através do seu porta-voz, pouco depois de anunciada a decisão. Ao contrário do Reino Unido, que também nesta quarta-feira decide se vai estender os bombardeamentos à Síria, a Alemanha não planeia atacar directamente os jihadistas. Mas os seus aviões poderão identificar novos alvos para os caças da coligação, o que implica formalmente a Alemanha na ofensiva em curso na Síria.

O Ministério da Defesa clarificou que a missão, que envolverá um total de 1200 homens, inclui uma fragata que fará parte da esquadra de protecção ao porta-aviões francês Charles de Gaulle, enviado para o Mediterrâneo oriental após os ataques de dia 13 em Paris e de onde estão já a voar os caças que participam nos ataques contra o Estado Islâmico.

A mobilização alemã vai também passar por um avião de abastecimento no ar e até seis Tornados ECR – uma versão do caça europeu que dispõe de câmaras de alta definição essenciais para identificar alvos em zonas de elevada densidade urbana e dotados de sistemas electrónicos capazes de iludir as defesas antiaéreas inimigas. As aeronaves vão ficar estacionadas na base de Incirlik, na Turquia, e vão estar operacionais no início de Janeiro.

O Bundestag discute a missão nesta quarta-feira e apesar de não haver ainda uma data agendada para a votação não será difícil a Merkel, detentora de uma ampla maioria no Parlamento, conseguir o necessário aval para aquela que será a maior operação militar alemã no estrangeiro da actualidade – o país mantém perto de mil soldados no Afeganistão e, já depois dos ataques de Paris, decidiu enviar 650 militares para o Mali.

Mais do que a dimensão (só ultrapassada pela força enviada para o Afeganistão que, no auge do combate contra os taliban, superou os cinco mil soldados) ou os custos da missão (134 milhões de euros para os 12 meses previstos no mandato inicial), o que é significativo na decisão de Berlim é antes de mais a opção deliberada por entrar num conflito sem fim à vista, numa região da qual o país sempre preferiu manter-se distante. “Para Merkel, negar ajuda ao seu principal aliado político num momento de necessidade não era simplesmente uma opção”, explicam fontes do Governo alemão à estação Deutsche Welle, enquanto à Reuters outros responsáveis lembraram que sem o apoio de Paris a chanceler alemã ficaria ainda mais isolada na União Europeia perante a actual crise de refugiados.

A acção externa alemã não se limita já à “diplomacia do cheque”, as avultadas ajudas com que Berlim compensou no pós-guerra a sua recusa em enviar tropas para o estrangeiro. Mas a opinião pública alemã mantém-se reticente em aceitar a participação em ofensivas militares, mesmo que algo tenha mudado com os atentados de Paris. Uma sondagem do YouGov para a agência DPA indica que 45% dos alemães apoia a participação do país na coligação contra o Estado Islâmico, contra 39% que se opõem. Mas o mesmo estudo indica que 71% dos inquiridos acredita que a participação aumenta a probabilidade de um atentado no país.

À esquerda, os Verdes e o Die Linke vão votar contra uma missão que, dizem, coloca a Alemanha na mira dos terroristas e não contribui para resolver o conflito na Síria. “Mostrar solidariedade com França não pode significar aderir a algo que é errado”, disse à Reuters o deputado ecologista, Hans-Christian Stroebele.

Numa entrevista ao jornal Bild, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Frank-Walter Steinmeier, reconheceu que derrotar os jihadistas exige “paciência” e, acima de tudo, uma solução política para a guerra civil que se arrasta desde 2011. “Bombas e rockets não vão vencer o terrorismo”, afirmou, sublinhando que a participação alemã se limita “ao que é militarmente necessário e ao que [o país] pode fazer melhor”. A ministra da Defesa tentou também tranquilizar os eleitores, assegurando que o Governo não foi arrastado para a guerra pela solidariedade com França e a coligação de que agora faz parte “não colaborará com [Bashar] Assad nem com as tropas sob o seu comando”. Uma referência a um plano que estará a ser trabalhado pela diplomacia de França que, sem aliados no terreno para combater os jihadistas, admite colaborar com o Exército sírio na condição de que o Presidente sírio seja afastado. Uma ideia que terá o apoio de Berlim, ainda que não seja claro que unidades poderiam ser incluídas ou como seria possível reconciliar um Exército dominado pela minoria alauita com os rebeldes e a população maioritariamente sunita da Síria. 

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