Alá com satã?

É uma situação única para o Irão jogar as suas cartas.

Quando os EUA e os seus mais fiéis aliados invadiram o Iraque e derrotaram Saddam poucos fizeram contas ao verdadeiro impacte da vitória no país, na região e em todo o mundo muçulmano.

O invocado direito messiânico de punir os “prevaricadores”, aliado à gula pelo petróleo, cegaram a administração Bush.

A todos os que pensam que basta o seu poderio militar para alterar a política de países tidos como hostis, os exemplos do Iraque e Afeganistão deviam fazê-los pensar duas vezes.

A ideia de um conjunto de dirigentes de olharem para o mundo como se o pudessem mudar a seu bel-prazer, independentemente das vontades dos povos respetivos, pode conduzir a comunidade internacional ao caos.

A “grande vitória” de Bush, Blair e Cª aí está, diante dos nossos olhos, em todo seu esplendor: o desmembramento do Iraque, a desestabilização em toda a região e violência fundamentalista no mundo muçulmano nunca vista.

Além disso o resultado da invasão foi desastroso para quem queria exportar a democracia e fez o Iraque recuar dezenas de anos em termos de desenvolvimento social.

E dada a composição étnica do Iraque colocou no poder no Iraque a maioria xiita, o que permitiu ao Irão ganhar uma enorme influência naquele país.

A coligação invasora desmembrou o Iraque, tornou-o refém das etnias e transportou para dentro dos países fronteiriços e próximos o mesmo tipo de conflito dito religioso.

A norte, os curdos aproveitaram a situação para consolidarem a sua autonomia, surgindo novos focos de tensão nos países vizinhos que os mantêm sob domínio.

Face a este estado de anemia nacional, os islamistas e Cª encontram terreno favorável para avançarem militarmente, estando próximos de Bagdad.

No plano regional a invasão teve como consequência, entre outras, a chegada ao poder dos islamistas numa série de países árabes.

Não foi capaz de contribuir para a solução do conflito israelo-palestiniano, antes dando novos apoios a Israel e mantendo a ocupação a ferro e fogo.

Agudizou as divisões entre sunitas e xiitas. Na região pode afirmar-se que todos estão contra todos, salvo uma ou outra exceção.

O reino saudita, usando a sua influência entre os sunitas e levando atrás de si o Ocidente para contrariar a política iraniana, fomentou a rebelião armada na Síria dando toda a espécie de apoios aos grupos islamistas mais radicais, incluindo o ISIS.

O empenho ativo militar da Arábia Saudita, Turquia, as monarquias do Golfo e de países como os EUA, França, Alemanha e Inglaterra no apoio aos insurgentes que combatem o regime sírio fez deles tão poderosos no plano militar que lhes permitiram levar o conflito para dentro do Iraque e tomar importantes cidades.

 O envolvimento das monarquias do Golfo para impedir a crescente influência do Irão na região vieram acrescentar novos conflitos aos já existentes a pontos de se tonarem quase incontroláveis.

Faz lembrar os tempos em que os EUA e Israel para combater a presença soviética no Afeganistão armaram Bin Laden e os talibans até aos dentes.

Sob a capa de uma guerra religiosa o que no fundo dos conflitos se deteta é uma luta sangrenta pela hegemonia regional e pelo controle das riquezas aí existentes. É, por isso, que a Arábia Saudita apoia as correntes fanáticas para derrotar líderes no poder que não são da sua confiança e têm as graças do regime iraniano.

Se juntarmos à influência do Irão no Iraque as novas alianças com a Síria, os xiitas do Líbano, a situação aponta o Irão como a potência regional em detrimento do reino saudita.

Apesar da Turquia apoiar a rebelião síria e o Irão o poder estabelecido, ambos os países criaram muito recentemente um Conselho Supremo de Cooperação para reforçar as relações entre os dois países.

Internamente os novos dirigentes iranianos, nomeadamente o Presidente Rouhani, insistem na moderação e na abertura, naturalmente no quadro do regime religioso. O eixo dos seus discursos vai para a moderação.

O grau de estabilidade comparado com todos os seus vizinhos cria uma situação única para o Irão jogar as suas cartas.

As negociações a propósito da energia nuclear (5+1) mostram que o Irão está interessado na busca de uma solução que lhes permita ultrapassar as sanções e desenvolverem a sua economia, plena de riquezas naturais.

Se as conversações entre o Irão e os 5+1 tiverem êxito agora ou mais tarde é de prever que a linha do Presidente possa consolidar-se, embora fique por responder à questão – é possível manter-se um regime baseado na religião?

Neste contexto, face ao avanço dos jihadistas do ISIS no Iraque, não está fora de questão que os velhos inimigos jurados encontrem algum tipo de cooperação destinado a fazê-los deter.

As declarações de responsáveis de ambos os lados não descartam essa possibilidade. Não é previsível a entrada de tropas do Irão no Iraque, mas os iranianos têm muitos outros modos de apoiarem o poder iraquiano.

Nos próximos tempos podem vir a ocorrer, na região, novos desenvolvimentos que eram imprevisíveis há semanas atrás.

Advogado

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