Activistas da sida em guerra contra países com leis homofóbicas

A discriminação dos homossexuais favorece a propagação do VIH em vários países, denunciam participantes na conferência de Melbourne.

Foto
A Rússia de Putin é um dos países que adoptaram leis contra os homossexuais Philippe Lopez/AFP

Os participantes na conferência internacional da sida que decorre na Austrália expressaram a sua indignação em relação aos países que adoptaram ou mantêm leis que penalizam e estigmatizam a homossexualidade, acusando-os de favorecer a propagação do VIH, um tema que divide profundamente os países ricos e os países pobres.

A questão, que mistura direitos humanos e saúde pública, opõe os países ricos doadores, onde a discriminação da homossexualidade é interdita, e os países mais pobres, receptores de fundos internacionais para combater o flagelo da sida, incluindo várias países que mantêm, ou adoptaram recentemente, lei homofóbicas.

Françoise Barre-Sinoussi, prémio Nobel da Medicina por ter sido uma das investigadoras que descobriu o vírus da sida, pôs o dedo na ferida durante a sua intervenção na conferência que decorre em Melbourne. “A cruel realidade é que em todas a regiões do mundo a estigmatização e a discriminação continuam a ser as principais barreiras a um acesso eficaz aos tratamentos”, declarou Barre-Sinoussi. “Temos que, outra vez, gritar bem alto que não vamos ficar impávidos, enquanto os governos, violando todos os princípios dos direitos humanos, aprovam leis monstruosas que só marginalizam ainda mais populações que são já muito vulneráveis”, insistiu a investigadora.

Vários peritos recordaram a experiência dos primeiros anos da epidemia, que em 33 anos já matou 39 milhões de pessoas. O vírus da sida, o VIH, espalhou-se lenta, mas paulatinamente das minorias estigmatizadas para uma população mais alargada. E aí avançou como um fogo na pradaria.

Se os homossexuais ou bissexuais forem ameaçados de prisão ou de perseguição, tendencialmente evitarão fazer testes da sida ou recorrer a tratamentos médicos, se estiverem infectados. Esta atmosfera tóxica de silêncio é um terreno perfeito para a propagação do VIH.

Os 12 mil participantes na conferência da sida foram convidados a assinar a “Declaração de Melbourne”, que sublinha que todos os gays, lésbicas e pessoas transgénero “devem ter os mesmos direitos e um acesso igual à prevenção, aos tratamentos e os serviços relacionados com a sida”.

Cortar os fundos?

Se os direitos dos homossexuais aumentam nos países ocidentais – com igualdade de direitos entre os casais homossexuais e os casais hetero –, outros pontos do mundo, nomeadamente em África e na Rússia, reforçam a sua legislação de luta contra a homossexualidade.

Segundo um relatório da Onusida publicado na semana passada, 79 países têm leis que criminalizam as práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo e sete prevêem a pena de morte.

O Uganda e a Nigéria estão entre os países que reforçaram a sua legislação anti-homossexualidade. A Índia reintroduziu uma lei anti-sodomia que data dos tempos coloniais. A Rússia criminalizou a “propaganda” homossexual e em alguns países foi suprimida a “liberdade de ajuntamento ou de associação” dos homossexuais, o que impede que estes se organizem para receber fundos, sublinhou Kene Esom, um nigeriano que trabalha na África do Sul para uma organização que promove a saúde e os direitos dos gays.

Os países ocidentais, que financiaram metade dos 19 mil milhões de dólares (14 mil milhões de euros) destinados à luta contra a sida nos países em desenvolvimento no ano de 2013, começam a perder a paciência, avisou Michael Kirby, antigo juiz do Supremo Tribunal da Austrália.

Os líderes dos países com leis homofóbicas “não podem esperar que os contribuintes dos outros países continuem a dar, indefinidamente, enormes quantias de dinheiro para anti-retrovirais, se eles se recusarem a reformar as suas leis de modo a serem eles próprios a ajudar os seus cidadãos”, disse Kirby.

Mas Jean-François Delfraissy, director da agência nacional francesa para a investigação da sida, teme as consequências médicas de uma suspensão do financiamento ocidental a certos países. “O médico que eu sou diz: naquele país eles precisam de anti-retrovirais como os outros, por isso não vamos sancionar os doentes a pretexto de pressionar um governo”, declarou à AFP.

Sugerir correcção
Comentar