Acordo com Ossétia do Sul e manobras militares russas elevam alerta no Ocidente

Rússia assinou tratado com a república separatista da Geórgia, visto como um passo para a anexação, e enviou mísseis para o enclave de Kaliningrado, entre a Polónia e a Lituânia.

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O exercício militar russo envolveu 38.000 soldados SERGEY VENYAVSKY/AFP
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O líder da Ossétia do Sul, Leonid Tibilov, cumprimenta Vladimir Putin MAXIM SHIPENKOV/AFP

A forte influência da Rússia sobre as duas regiões que lutam por tornar-se independentes da Geórgia é uma realidade com vários anos, mas o acordo assinado esta semana entre o Presidente Vladimir Putin e o líder da Ossétia do Sul está a ser visto no Ocidente como um passo para a anexação oficial desse território pela Federação Russa, à imagem do que aconteceu com a península ucraniana da Crimeia em Março do ano passado.

O acordo, assinado em Moscovo na quarta-feira (precisamente no dia em que se comemorava o 1.º aniversário da anexação da Crimeia), garante à Ossétia do Sul a protecção militar da Rússia e uma maior integração das respectivas forças armadas. A Rússia reforça também o seu controlo sobre a fronteira do território independentista, através de um acordo semelhante ao que assinou com a outra república independentista, a Abkházia, no ano passado.

"Vai ser criada uma zona de defesa e de segurança entre os nossos dois países, as nossas agências alfandegárias serão integradas e será permitida a passagem dos nossos cidadãos pela fronteira", anunciou o Presidente russo, Vladimir Putin. O acordo prevê também o aumento das pensões e dos salários dos funcionários públicos da Ossétia do Sul.

"O principal resultado da reunião de hoje é a assinatura de um acordo de aliança e integração. Não é um exagero chamar-lhe um acordo histórico. Leva os nossos dois países para um novo nível de diálogo interestatal e marca a direcção a longo prazo para as nossas relações bilaterais", lê-se no comunicado do Kremlin.

As regiões da Ossétia do Sul e da Abkházia gozavam de uma certa autonomia na antiga União Soviética, integradas na então república socialista da Geórgia. Depois da queda do bloco comunista, no início da década de 1990, as duas entidades declararam a independência em relação à Geórgia, mas esse estatuto só é reconhecido actualmente por quatro países: Rússia, Nicarágua, Venezuela e Nauru (uma ilha no Pacífico que é o segundo Estado menos populoso do mundo, a seguir ao Vaticano). A Abkházia e a Ossétia do Sul também são reconhecidas como países independentes por outras duas repúblicas independentistas que têm uma forte presença militar russa – a Transnístria (na Moldova) e Nagorno-Karabakh (no Azerbaijão).

Alemanha teme "anexação lenta"
A União Europeia, os Estados Unidos e a NATO denunciaram a assinatura do acordo entre a Rússia e a Ossétia do Sul, defendendo que enfraquece ainda mais a já frágil posição da Geórgia, que foi derrotada numa guerra contra a Rússia e as forças separatistas em Agosto de 2008.

"Com este tratado, a Rússia volta a lançar dúvidas sobre a integridade territorial e a soberania da Geórgia", acusou nesta sexta-feira a porta-voz do Governo da Alemanha, Christiane Wirtz. Em nome da chanceler, Angela Merkel (vista até ao início da guerra no Leste da Ucrânia, em Abril do ano passado, como a líder europeia mais próxima de Vladimir Putin), a mesma responsável disse que Moscovo "está a impedir os esforços para uma resolução pacífica do conflito na Abkházia e na Ossétia do Sul" – para Berlim, o acordo assinado esta semana reforça os receios da Geórgia de que a Rússia está a preparar uma "anexação lenta" dos territórios.

A responsável pela política externa da União Europeia, a italiana Federica Mogherini, referiu-se ao Tratado sobre Aliança e Integração entre a Rússia e Ossétia do Sul como "mais um passo na direcção contrária aos esforços para reforçar a segurança e a estabilidade na região".

"Tal como outros acordos assinados entre a Federação Russa e as duas regiões separatistas da Geórgia, este 'tratado' [as aspas estão no comunicado original] – que inclui referências a uma transferência de poderes em alguns sectores – viola claramente a soberania e a integridade territorial da Geórgia, princípios da lei internacional e compromissos internacionais assumidos pela Federação Russa", numa referência aos acordos assinados em Agosto e Setembro de 2008, no final da guerra entre a Rússia e a Geórgia.

Tal como tem feito em relação à Ucrânia no conflito que opõe os separatistas das províncias ucranianas de Donetsk e Lugansk ao Exército de Kiev, a União Europeia "reitera o seu forte apoio à soberania e à integridade territorial da Geórgia nas suas fronteiras internacionalmente reconhecidas".

Também os Estados Unidos denunciaram o reforço dos laços entre a Rússia e a Ossétia do Sul, dizendo que "nem este acordo, nem o que foi assinado com a Abkházia, em Novembro de 2014, são válidos internacionalmente".

"As regiões ocupadas da Ossétia do Sul e da Abkházia são partes integrantes da Geórgia, e nós continuamos a apoiar a independência, a soberania e a integridade territorial da Geórgia", disse a porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Jen Psaki.

Apesar das declarações de condenação, nem a União Europeia nem os Estados Unidos deram a entender que poderão tomar medidas concretas para reagir à assinatura de um acordo que consideram ilegítimo. Durante a conferência de imprensa diária no Departamento de Estado norte-americano, a porta-voz Jen Psaki foi mesmo questionada por um jornalista sobre se os EUA admitem aprovar sanções contra a Rússia, à semelhança do que aconteceu após a anexação da Crimeia.

"Não tenho nada para vaticinar neste momento. Apesar disso, penso que é importante notar que os Estados Unidos e muitos outros países não reconhecem a legitimidade deste acordo", respondeu a porta-voz.

O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, também condenou a assinatura do acordo e pediu à Rússia que "anule o seu reconhecimento da Ossétia do Sul e da Abkházia como Estados independentes" e que "retire as suas forças da Geórgia".

Leonid Tibilov, considerado pelos países que reconhecem a independência da região separatista como o Presidente da Ossétia do Sul, congratulou-se com a assinatura do acordo, que deverá fazer entrar nos cofres do território cerca de 147 milhões de euros nos próximos três anos. Na mesma ocasião, o líder da Ossétia do Sul fez questão de sublinhar que o seu governo apoia todas as decisões estratégicas da Rússia, em particular a anexação da península ucraniana da Crimeia. "Sabemos que a Federação Russa é a única garantia de defesa para o nosso povo e para a nossa república", afirmou Leonid Tibilov.

Já o Presidente da Geórgia, Giorgi Margvelashvili, disse que o novo acordo é "destrutivo" para a soberania do seu país, para além de ser mais "um foco de conflito regional".

Rússia exercita músculo militar
Para além do acordo entre a Rússia e a Ossétia do Sul, a tensão subiu ainda mais com a notícia de que as forças russas iniciaram um exercício militar de grande envergadura, que inclui o envio de mísseis Iskander e aviões de guerra para o enclave de Kaliningrado, entre a Polónia e a Lituânia. No âmbito do exercício, que termina neste sábado, foram também deslocados bombardeiros estratégicos para a Crimeia e soldados para o Árctico, avança a agência francesa AFP. De acordo com a agência estatal russa Sputink, o exercício envolve 38.000 soldados, 3360 veículos militares, 110 aviões e helicópteros, 41 navios e 15 submarinos.

O objectivo, segundo a Rússia, é testar as capacidades da sua máquina militar e também responder às movimentações da NATO nas proximidades da sua fronteira nos últimos meses, na sequência da guerra no Leste da Ucrânia.

"A Rússia e a NATO estão a fazer uma demonstração das suas capacidades mútuas", disse à AFP o antigo general russo Evgueni Bujinski. "É uma demonstração das capacidades militares da Rússia. É para mostrar que, do nosso lado, está tudo bem", reforçou à mesma agência o analista Nikolai Petrov, professor de Ciência Política e analista no Wilson Center, com sede em Washington.

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