Kiev enfrenta forte resistência dos separatistas na batalha por Donetsk

Exército ucraniano perdeu 15 soldados que tentavam abandonar um cerco. Kiev nega ter bombardeado Donetsk durante a noite em que morreram três civis.

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Militantes pró-russos recebem instruções de combate em Donetsk ALEXANDER KHUDOTEPLY/AFP

O avanço para Donetsk tem sido a prioridade para o exército ucraniano, que pretende alcançar a vitória sobre as forças separatistas de forma rápida. No entanto, as fortes baixas que tem sofrido e a forma como o conflito tem decorrido parecem indiciar um arrastamento dos combates.

As forças governamentais ucranianas perderam 15 soldados em apenas 24 horas, durante uma operação para quebrar um cerco efectuado pelas forças rebeldes. Dois dias antes, o número de vítimas tinha alcançado as 18, o dia mais sangrento para o exército leal a Kiev, segundo a BBC.

Um contingente de soldados ucranianos estava cercado numa zona perto da fronteira com a Rússia, a sul da cidade de Lugansk e a leste de Donetsk, dois pólos urbanos ainda controlados pelos separatistas. “Sete militares e oito guardas fronteiriços foram mortos e 79 ficaram feridos”, revelou o porta-voz do exército, Andrei Lysenko, citado pela Reuters. Entre as forças governamentais contabilizam-se 400 baixas desde o início dos confrontos com os separatistas pró-Moscovo, em meados de Abril.

O foco dos principais confrontos passou nos últimos dias para o centro de Donetsk. Durante a última noite, pelo menos três civis foram mortos e dez ficaram feridos devido a bombardeamentos. Kiev nega que esteja a atingir o centro urbano, mas vários residentes disseram à AP que o ataque surgiu dias depois de os separatistas terem colocado um lança-mísseis Grad no local, o que terá motivado uma resposta do exército. “Nina, a minha madrinha, ficou em pedaços mesmo em frente ao apartamento. Só conseguiram identificá-la pela roupa”, lamentava-se Yevgeny Isayev.

De Donetsk, cuja população antes do conflito chegava a um milhão de habitantes, já fugiram 300 mil pessoas. O Governo culpabiliza os separatistas pelos ataques na zona urbana. “Não estamos a atacar Donetsk, estamos a libertá-la”, afirmou Andrei Lysenko, que acrescentou que “as áreas residenciais estão a ser atingidas pelos terroristas a partir das suas posições”.

Para além dos combates no terreno também se disputa uma guerra de opinião pública entre o Governo de Kiev e os líderes separatistas, com os dois lados a tentar esconder as suas fraquezas e a enfatizar as vitórias. Nas últimas semanas, as autoridades ucranianas têm sublinhado os avanços que o exército tem conseguido alcançar, sugerindo que a neutralização dos rebeldes será uma questão de tempo.

Os separatistas – que na quinta-feira substituíram a sua liderança – revelaram ter obtido 18 sistemas de mísseis Grad e um grande número de tanques de uma unidade militar ucraniana. Um sinal que vem reforçar a ideia de que a rendição parece não estar para breve.

Os combates prometem arrastar-se por mais tempo devido à natureza do conflito – travado entre um exército regular e uma unidade paramilitar. Numa análise para a BBC, Alexander Golts, um especialista militar, explica que “o exército até pode, depois de muito esforço, capturar uma cidade, destruindo-a com artilharia pesada, para depois descobrir que os rebeldes passaram simplesmente para outra cidade. Essa cidade terá de ser tomada de assalto e a mesma coisa terá de acontecer numa terceira cidade.”

A Rússia, que é acusada pelo Ocidente e por Kiev de apoiar os separatistas, parece ter abandonado, para já, a via da intervenção directa no conflito – hipótese que tinha ganho força esta semana. O anúncio de um conjunto de sanções comerciais aos países da União Europeia e aos EUA indica que o Kremlin terá optado pela guerra económica.

Ao final desta sexta-feira, Moscovo deu como terminados os exercícios militares que tinha em curso há alguns meses e que mobilizaram mais de dez mil unidades perto da fronteira com a Ucrânia.

No entanto, o anúncio da detenção de cinco soldados ucranianos acusados de terem cometido crimes de guerra irá aumentar ainda mais a ira de Kiev. Uma comissão de inquérito russa acusa os militares de terem “utilizado armas pesadas sem distinção, ferindo e matando pelo menos dez civis e destruindo vinte imóveis de habitação”. Os factos terão ocorrido entre 19 de Julho e 3 de Agosto na região de Lugansk e, segundo a lei russa, os soldados poderão enfrentar penas de prisão até vinte anos.

Sanções podem comprometer abastecimento de gás

Continua a batalha económica e diplomática entre o Ocidente, a Ucrânia e a Rússia, que sobe de tom a cada dia que passa. Esta sexta-feira foi a vez de Kiev avançar para a aprovação de um conjunto de sanções que devem abranger 172 pessoas e 65 empresas russas, cujas identidades não foram reveladas.

O Governo apresentou uma série de medidas que visam punir, no campo económico, Moscovo pela anexação da península da Crimeia e pelo apoio dado aos separatistas que têm combatido o exército ucraniano no Leste do país desde Abril. O Parlamento deverá discutir o pacote de sanções na terça-feira.

As medidas vão desde a interdição de entrada no país ao congelamento de activos, mas a questão mais sensível é a intenção de impedir o trânsito de recursos naturais vindos da Rússia. É através do território ucraniano que circula cerca de metade do gás natural consumido pelos países europeus.

“No pior dos cenários, a Ucrânia poderá aumentar as suas perdas, não apenas por causa das sanções mas também devido à política agressiva do Kremlin”, afirmou o primeiro-ministro, Arseni Iatseniuk.

O anúncio do Governo ucraniano surge um dia depois de Moscovo respondido às sanções aplicadas pela União Europeia e pelos EUA. A Rússia vai limitar ou proibir a importação de um grande número de produtos alimentares da Europa e dos EUA durante um ano e vai fechar o espaço aéreo às companhias ucranianas.

No quadro do crescente confronto entre o Ocidente e a Rússia por causa do destino da Ucrânia, o secretário-geral da NATO, Anders Fogh Rasmussen, esteve na sexta-feira em Kiev para reiterar o apoio da Aliança aos governantes ucranianos. O enviado russo na NATO, Alexander Grushko, criticou a visita de Rasmussen, que disse vir apenas garantir a “impunidade” aos líderes do país para continuarem a “operação punitiva” no Leste.

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