A verdadeira insustentabilidade

O Estado-providência só sobrevive, e mal, pelo imposto e pela dívida.

A esquerda não gosta nada de ouvir que o Estado-providência (ou, se quiserem, o Estado social) não pode continuar. Mas tarde ou cedo terá de ouvir.

Como dizia De Gaulle, as coisas são como são e não como nós gostaríamos que elas fossem. Esta semana, Sir David Nicholson, que dirigiu o Serviço de Saúde Inglês durante oito anos, declarou que ele não era “sustentável”. Não custa perceber porquê. Quando cheguei a Inglaterra, para mim, o Serviço de Saúde (já um modelo querido do Estado social) não passava do dr. Davis, um velho simpático que me receitava pílulas (sempre as mesmas), de quando em quando me auscultava e me aconselhava a deixar de fumar. Hoje, não há medida comum entre esta medicina doméstica e barata e a medicina que se pratica correntemente em qualquer hospital.

A invenção de milhares de novas drogas, de novos meios de diagnóstico (que naquela altura não existiam) e de tratamentos cada vez mais sofisticados tornou a assistência médica uma operação complicadíssima e terrivelmente cara. Pior: criou no público interessado a exigência, aliás justa, de nenhum recurso disponível lhe ser recusado. O dr. Davis não custava muito ao contribuinte, um hospital com o equipamento e a especialização que se considera agora indispensável custa rios de dinheiro. E, à medida que a ciência e a tecnologia se desenvolverem, como de certeza acontecerá, vai custar mais. Nem uma óptima organização e uma óptima gestão podem parar, abrandar ou reverter esta tendência. O dr. Davis morreu; em 2014, uma dezena de profissionais de vária espécie e pena envolve fatalmente um indivíduo com a sua sabedoria e os seus cuidados.

A saúde é o caso mais claro. Mas basta pensar no ensino obrigatório e gratuito, idealmente até à universidade, que pressupõe uma infinidade de professores, de edifícios, pelo menos, meio decentes e uma regra universal e bem definida. Para agravar a questão, o momento em que se pretendia “educar” toda a gente foi também o momento em que simultaneamente se pretendeu “libertar” toda a gente. A família, que ajudava e completava a escola, está frágil ou, para efeitos práticos, desapareceu, e a escola teve de a substituir. O peso financeiro disto aumentou de ano para ano, de dia para dia, e não se prevê que alguma vez venha a diminuir. O Estado-providência, que persiste em crescer à mínima oportunidade, só sobrevive, e mal, pelo imposto e pela dívida, e o imposto e a dívida reduziram a Europa, não falo aqui especialmente de Portugal, a uma situação de insustentabilidade. Da verdadeira insustentabilidade.

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