A verdade dos torturados, a sua verdade, não é para vingar, pediu Dilma

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Foto da políca de Dilma Rousseff quando foi presa aos 22 anos Reuters

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade sobre os crimes da ditadura militar que foi agora divulgado recolhe os depoimentos de centenas de vítimas de tortura, incluindo o da actual Presidente do Brasil.

“A verdade não significa revanchismo. A verdade não deve ser motivo para ódio ou para acerto de contas. A verdade liberta todos nós do que ficou por dizer, por explicar, por saber. A verdade liberta daquilo que permaneceu oculto, de lugares que nós não sabemos onde foram depositados os corpos de muitas pessoas. Mas faz com que agora tudo possa ser dito, explicado e sabido. A verdade produz consciência, aprendizado, conhecimento. A verdade significa, acima de tudo, a oportunidade de fazer o encontro com nós mesmos, com a nossa história, e o nosso povo com a sua história”. Palavras da Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, na quarta-feira, quando recebeu em mãos o relatório final da Comissão Nacional da Verdade sobre os crimes da ditadura militar brasileira (1964-1985). Nas milhares de páginas do documento encontram-se muitas verdades, como estas:

A verdade de Valter Pinheiro
Este ex-militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) foi encapuzado e levado para um local ermo fora de Fortaleza, onde havia sido capturado. Lá, naquela que ficou conhecida como a “Casa dos Horrores”, teve que se despir, foi amarrado e teve eléctrodos ligados aos lóbulos das orelhas, pénis, mamilos e ponta da língua. Passou por três sessões de tortura. “Estrebuchava, gritava, e eles ficavam rindo, contando piada e diziam: ‘Olha, isso é grito de prazer’”, contou Valter Pinheiro.

A verdade de Isabel Fávero
Ex-militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (movimento de guerrilha de extrema-esquerda), era professora quando foi presa em Maio de 1970, em Nova Aurora, Pernambuco. “Depois de três ou quatro dias presa, comecei a passar mal. Estava grávida de dois meses e tive um aborto espontâneo. Sangrava muito, não tinha como me limpar, usava papel higiénico. E cheirava mal, estava suja. Por isso acho... Não, tenho quase certeza de que não fui violada. Porque eles me ameaçavam constantemente mas tinham nojo de mim. (...) Certamente foi por isso. Eles ficavam irritados ao me ver suja, sangrando e cheirando mal e ficavam com ainda mais raiva e me batiam ainda mais”.

A verdade de João Leonardo Silva Rocha
Foi Eliete Lisboa Martela, que foi presa em São Paulo, que relatou à Comissão Nacional de Verdade o sofrimento que testemunhou ao lado de um amigo, João Leonardo Silva Rocha, detido em Junho de 1975: “João Leonardo estava completamente fora de si porque violaram a sua mulher naquela sala onde também tiraram minha roupa. Ele estava amarrado no pau-de-arara [uma trave onde os presos era pendurados], com um fio eléctrico enfiado no ânus. E ali violaram a sua mulher, que era professora de Inglês. Ela foi violada ali, na frente dele. E ele entrou em choque com isso”.

A verdade de César Queiroz Benjamin
Preso em Salvador da Bahia, César Queiroz Benjamin pertencia ao Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR8), onde também militava Iara Iavelberg e o namorado desta, o ex-capitão do Exército Carlos Lamarca. Iara foi morta a 20 de Agosto de 1971, num apartamento no bairro de Pituba, em Salvador, e a sua morte foi apresentada como suicídio. César soube da morte da companheira de armas da pior maneira. “Ela [a sessão de choques eléctricos] foi se prolongando, prolongando, entrou pela madrugada e eles [os torturadores] começaram a dizer, lá pelas tantas, não sei exactamente o porquê, imagino que para quebrar o meu moral, começaram a dizer: ‘Matamos a Iara, Iara está morta, Iara já era’. Sucessivamente isso. Eu estava encapuzado, rolando pelo chão, porque com a descarga eléctrica você fica sem controle... De alguma maneira, eu acho que eles intuíram que eu não estava acreditando, e eu realmente não acreditei. [Então] eles me arrastaram para uma quina da sala, levantaram o capuz e me mostraram uma foto... Era a Iara morta”.


A verdade de Karen Keilt
Presa em 1976, em São Paulo, juntamente com o seu marido, Karen vive hoje nos Estados Unidos. À comissão contou: “Começaram a bater-me. Me amarraram num pau-de-arara e me deixaram pendurada. Me deram choques eléctricos. Nos seios, nos mamilos... Desmaiei. E comecei a sangrar. Sangrava por todas as partes. Pelo nariz, pela boca. Estava muito mal. Então um dos guardas veio, me levou para uma das celas e me estuprou. Ele me disse que eu era rica mas tinha a mesma vagina que o resto das mulheres. Era um homem horrível”.

A verdade de Dilma Rousseff
Dilma Rousseff, na altura militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, passou quase três anos na prisão (1970-1972). Nos calabouços da Oban (Operação Bandeirante), disse ter sido submetida a 22 dias de tortura. Num depoimento à Comissão Estadual de Indemnização às Vítimas de Tortura, em 2001, que só foi revelado em 2012, contou: “Quando eu tinha hemorragia, na primeira vez foi na Oban. Foi uma hemorragia de útero. Me deram uma injecção e disseram para não me bater naquele dia (…). A pior coisa que tem na tortura é esperar. Esperar para apanhar. Eu senti ali que a barra era pesada. E foi”. 

“Uma das coisas que me aconteceu naquela época é que meu dente começou a cair e só foi derrubado posteriormente pela Oban. Minha arcada girou para outro lado, me causando problemas até hoje, problemas no osso do suporte do dente”.

“Também estou lembrando muito bem do chão do banheiro, do azulejo branco. Porque vai formando crosta de sangue, sujeira, você fica com um cheiro (...)”.

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