A urgência de salvar o mundo da jovem que acabou refém do EI

Keyla Mueller, americana de 26 anos, estava na Turquia a trabalhar com refugiados sírios. Do Arizona viajou para a Índia, Israel, e ainda passou por França antes de chegar à Turquia e à Síria.

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Keyla Jean Mueller, 26 anos, foi raptada pelo Estado Islâmico em Agosto de 2013 DR

Há vários mistérios à volta da refém americana do grupo autodenominado Estado Islâmico, Keyla Jean Mueller, 26 anos. O seu nome, mantido secreto durante quase 17 meses por medo de que a divulgação aumentasse o risco, foi revelado pelo EI numa nota anunciando a sua morte – Keyla teria morrido num raide aéreo levado a cabo pela aviação da Jordânia, o primeiro desde o assassínio, pelos jihadistas, de um piloto jordano, queimado vivo dentro de uma jaula.

O facto de o EI dizer que Mueller tinha morrido sem apresentar provas, e a coincidência de ter sido num ataque que não teria provocado vítimas de combatentes jihadistas, segundo a nota do EI, deixou os EUA cépticos e os jordanos a alegar que se trataria de propaganda com o objectivo de dividir os aliados ocidentais e da região.

Mas o primeiro mistério é o que Mueller estaria a fazer na Síria, em Alepo, em Agosto de 2013.

A americana, natural da pequena cidade de Prescott a 150 quilómetros da capital do Arizona, Phoenix, foi desde muito cedo activista por causas de direitos humanos. A primeira crise humanitária que lhe chamou a atenção foi a do Darfur, no Sudão, participando em campanhas e enviando cartas a congressistas.

Depois de tirar um curso de política na Universidade do Norte do Arizona, em 2009, Mueller viajou para a Índia onde trabalhou num orfanato e ensinou inglês a refugiados tibetanos, esteve ainda em Israel e na Palestina. Regressou ao Arizona, em 2011, onde fez voluntariado num abrigo para mulheres e numa clínica para doentes com sida. Ainda nesse ano, foi trabalhar em França como babysitter de uma família para melhorar o seu francês, com o objectivo de fazer voluntariado em África

Foi nessa altura que se interessou pela que se tornou a maior crise humanitária da era moderna, a Síria. Decidiu viajar para a fronteira da Turquia em 2012, onde trabalhou com duas organizações de apoio aos refugiados, o Conselho Dinamarquês para os Refugiados, e a associação Apoio à Vida.

Foi então que no dia 3 de Agosto de 2013, Keyla apareceu de surpresa num complexo gerido pela divisão espanhola dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Alepo, na Síria. “Está longe de ser claro o que ela lá estava a fazer. Esse é um dos problemas – ninguém sabe”, disse, citado pelo New York Times e sob anonimato, um dos conselheiros que tem ajudado a família Mueller. A americana chegou a acompanhar aquele que é descrito como um colega, amigo, ou namorado, um sírio que fora chamado pelos MSF para reparar a ligação de internet.

Os dois acabaram por passar a noite no local e no dia seguinte, quando se deslocavam num transporte arranjado pelos MSF, foram raptados. Ele foi libertado passados alguns meses.

A família de Mueller recebeu o primeiro contacto do EI em Maio de 2014. Dois meses depois, recebem um pedido de resgate de 5 milhões de euros ou, em alternativa, uma troca com uma cientista paquistanesa condenada por tentar matar americanos no Afeganistão em 2008, que cumpria pena numa prisão no Texas. Deram um prazo de 30 dias, ou, ameaçam os jihadistas, matariam a refém. Os EUA, que têm uma política de não fazer concessões, apoiaram a família com conselheiros. Família e conselheiros esperaram, nada aconteceu, e os pais esperaram que Keyla ainda estivesse viva.

Tal como esperam agora – os pais, Carl e Marsha Mueller, já enviaram uma mensagem aos captores lembrando-lhes que tinham prometido tratar a filha como convidada e que deviam assim responsabilizar-se pela sua segurança.

O EI já mentiu sobre reféns. O facto de a alegação do grupo sobre a morte de Keyla no ataque poder ser falsa não quer necessariamente dizer que esteja viva – o grupo manteve negociações para trocar o piloto jordano por uma prisioneira na Jordânia, quando o piloto poderia já estar morto há cerca de um mês.

O jornalista francês Nicolas Henin, libertado com um grupo de reféns franceses do EI em Abril de 2014, disse que Keyla Mueller era uma das suas últimas companheiras de cela ainda em poder do grupo. James Foley, Steven Sotloff, David Haines e Alan Henning (dois americanos e dois britânicos) eram os outros, e foram todos entretanto executados pelo EI. Havia relatos de que o grupo teria uma outra mulher refém.

Em 2013, Keyla fez uma visita à família em Prescott, e o jornal da sua cidade fez uma notícia com uma intervenção dela num clube de que o seu pai é membro, para falar do seu trabalho. A jovem descreveu como ajudou uma família a reencontrar-se: um pai que tinha conseguido encontrar a sua filha de 11 anos viva num hospital, e aí tinha descoberto que a sua mulher tinha morrido, procurava desesperadamente o filho de 6 anos. Mueller, que ficou com uma fotografia do rapaz, descobriu-o mais tarde num outro hospital.

Explicando que esta não é uma situação rara na Síria, e que quase metade dos refugiados são crianças, Keyla concluiu: “Enquanto viver, não deixarei que este sofrimento seja normal, que seja algo que simplesmente aceitamos.”

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