A todos os que migram: não vos podemos deixar morrer

É absolutamente imprescindível mais Europa, para podermos dar mais dignidade aos cidadãos africanos e aos cidadãos do Próximo e Médio Oriente.

1. Hoje quero escrever a todos os que migram. A todos os que, por uma ou por outra razão, querem ou têm de mudar de terra. Mas tenho cá dentro, no fígado e no coração, nas tripas e nos miolos — em toda a espécie de entranhas e de vísceras — o remorso, a recriminação, o ressentimento.

O remorso, a recriminação e o ressentimento por todos vós, por todos os que se atrevem a atravessar o mar do meio, o que medeia terras, o que dizem que é nosso. Nosso, muito nosso, só nosso e, maxima culpa, não dos outros. Esse mar que, ao contrário do Mar Vermelho, não se abre em paredões de água, para que vós o passeis a pé enxuto e que depois não se fecha para afogar e sepultar todos os traficantes que vos cobram o dinheiro, a esperança e a vida. Esse mar para o qual não existe uma arca de Noé em que vos possamos recolher, guardar e proteger e dar a dignidade mínima que todos os dias prometemos aos animais que a arca transportou. Esse mar, em que ao contrário do Mar da Galileia, a ninguém é dada a fé suficiente para ser capaz de andar sobre as águas, por mais férrea e irrestrita que seja vontade de escapar ao sofrimento.

2. Não vos podemos deixar morrer. E isso impõe, antes de tudo o resto, que sejamos capazes de vos salvar. Que tenhamos uma verdadeira armada de salvamento, que patrulhe as águas, que vos possa recolher se estiverdes em necessidade, que vos possa escoltar e acompanhar. Uma armada que seja também uma polícia e possa deter os exploradores e traficantes de carne humana, que ressuscitaram no nosso mar o outrora florescente e opíparo comércio de escravos. Sim, esse mar conhece bem a vossa sina, a sina dos que, mesmo que em busca delas e mesmo que não o saibam ainda, perderam a liberdade e a dignidade. Esse mar, este mar, tem séculos e séculos, milénios de experiência: ao Mediterrâneo não lhe faltam escravos, nem as sepulturas deles. E nós, com essa armada policial, temos de ser capazes de travar a nova escravatura, em que as mulheres e os homens são apenas abjectos objectos.

Este dispositivo de protecção civil e de acção policial, digo-vos a vós que migrais, não pode continuar nos esforços desesperados de um só país, a Itália. Com umas magras ajudas de Malta, que nada pode. Não pode ficar encostado às grades e aos arames farpados de Ceuta e de Melilla, nem deixado à sorte de um Chipre dividido e em bancarrota. Até porque vós, migrantes, que com bóia ou sem bóia lograis deitar a mão aos rochedos de Lampedusa ou pendurar-se nos fortes de Malta, tendes a Europa alemã e francesa, a Europa inglesa e sueca, a Europa belga e austríaca como destino. Dão graças por chegar às margens, mas não querem ficar nelas. Querem subir, querem trepar rumo a norte. Vós não sois uma preocupação dos italianos, nem dos malteses, nem dos espanhóis, nem nos cipriotas, nem dos gregos, nem sequer dos franceses. Vós sois uma responsabilidade europeia. E temos de ser nós, nós Europa, a cuidar de vós.

É urgente criar uma estrutura europeia que possa lidar com a migração ilegal, com meios, com capacidade, com recursos. Não basta sequer fazer o que já seria um progresso, que seria pagar a um ou dois países para tratarem de vós. À Itália, à Espanha, talvez à França. Não, é mesmo necessário — como aqui escrevi a 20 de Janeiro — criar uma guarda fronteiriça europeia. É absolutamente imprescindível mais Europa, para podermos dar mais dignidade aos cidadãos africanos e aos cidadãos do Próximo e Médio Oriente.

3. Ter uma guarda fronteiriça pode ajudar a salvar-vos e a acolher-vos e pode também combater de modo firme e impiedoso os traficantes de seres humanos que vos exploram, enganam e assassinam. Mas, claro, não chega. Temos também de tratar dos campos de acolhimento, onde vos pomos tempos infinitos, no limiar da sobrevivência. Não podemos tratar-vos com luxo e talvez não vos possamos receber com o conforto que merece todo o viajante depois de um êxodo alucinante. Mas podemos melhorar — e muito — os padrões de dignidade do vosso acolhimento. E também isso há-de ser uma obrigação europeia, própria de uma política comum de mobilidade, de migração, de asilo e de auxílio humanitário. Não é admissível que nesse acolhimento que infelizmente, as mais das vezes, não vos mentimos, terá de ser temporário não haja as condições elementares de dignidade.

Teremos ainda de ir mais longe e pensar em toda a política de migração da União. Sabemos que estamos em crise, mas sabemos também que estamos em queda demográfica. Sabemos que a maioria dos que vêm não vai ter aqui emprego nem lugar e que terá necessariamente de voltar. Nessa política de repatriamento, teremos também de usar do mesmo cuidado e da mesma atenção. Da atenção que vós mereceis e que não vos temos dado. Não vos iludo: teremos sempre de ter uma política restritiva, aos vossos olhos seguramente injusta. E por isso mesmo temos também de ter uma política activa de ajuda ao desenvolvimento das vossas terras de origem. Teremos de vos apoiar a poderem fixar-se, com níveis satisfatórios de dignidade, nas terras de onde estais a sair. E para tanto é crucial voltarmos a dialogar com todos os Estados da bacia do Mediterrâneo e com aqueles que a sul e a leste com eles fazem fronteira. Temos mesmo de nos sentar a uma mesa, mas não podemos acabar sentados. Sentados a ver na televisão as imagens de salvamentos pontuais, as hordas de cadáveres alinhados, a ausência de prisão e condenação de qualquer traficante ou rede de traficantes, as declarações pungentes e acidentais dos líderes políticos. Temos de nos levantar e fazer algo por vós e por nós. Temos de nos redimir desta culpa. Desta grande culpa. Não vos podemos deixar morrer.

SIM e NÃO

SIM. Pedro Saraiva. Só quem não conheça o deputado relator da comissão de inquérito ao BES pode ficar surpreendido com a qualidade, profundidade e isenção do seu trabalho. Uma grande mais-valia do e para o PSD.

NÃO. Greve na TAP. A posição que os sindicatos e, em particular, os pilotos assumiram na TAP é inaceitável. Os prejuízos causados às pessoas, à economia e à empresa são altamente desproporcionais.

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