A revolução sem cor

Há uma diferença entre quem combate pela liberdade e quem combate o extremismo islâmico. Entre quem combate pela democracia e pela defesa dos direitos humanos e quem não os aceita.

A vitória de Bashar al-Assad em Alepo, graças ao triunvirato Rússia-Irão-Turquia, é tudo menos pacífica. Assad e Vladimir Putin — encantado consigo próprio no papel de czar — cantam vitória sobre um monte de escombros e a acumulação de crimes de guerra. Como se ambos fossem inimputáveis e todos os meios justificassem estes fins: manter o primeiro no poder e alargar a influência geopolítica do segundo. Irão e Turquia compõem o coro da chamada declaração de Moscovo, uma preocupante aliança que tudo sacrifica e que nada augura de bom para a democracia e seja para o que for. Excluindo este contexto, é fácil adivinhar o que seriam hoje as relações entre Moscovo e Ancara após o assassinato do embaixador russo nesta terça-feira: uma perigosa escalada bélica. Pelo contrário, Putin e Erdogan uniram-se numa batalha contra o Ocidente.

A Assembleia Geral das Nações Unidas deu esta semana o primeiro passo para que os crimes e abusos dos direitos humanos praticados na Síria sejam devidamente investigados. O abate e bombardeamento de civis, nomeadamente com o lançamento de barris de explosivos, os ataques a hospitais e a colunas de ajuda humanitária foram denunciados por várias organizações e são do conhecimento generalizado. E não podem ser ignorados, tenham sido eles cometidos pelos denominados rebeldes ou pelo Governo sírio, que o puzzle é complexo.

Mas o que se poderá esperar é quase nada: Trump tornará os EUA mais autocêntricos e mais colaborantes com a Rússia do que nunca, a União Europeia cambaleará com a ameaça dos resultados políticos em Paris e Berlim, e as Nações Unidas serão o corolário dessas transformações da geopolítica sanguinária.

A queda de Alepo é tudo menos uma libertação. Encarar Putin como um libertador é uma falácia grotesca. Como se ainda restassem dúvidas, o Putin que afirma que “a cadeia de ‘revoluções coloridas’ que se espalhou pelo Médio Oriente e África quebrou-se” é tudo menos isso. “A ordem que se seguiu à queda do Muro de Berlim morreu na Síria”, escreveu ontem no PÚBLICO Álvaro Vasconcelos, a par da ascensão daquele triunvirato e do declínio dos EUA e da União Europeia. Há uma diferença entre quem combate pela liberdade e quem combate o extremismo islâmico e entre quem combate pela democracia e pela defesa dos direitos humanos e quem não os aceita. Assad e Putin não travam nenhum deles. 

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