A quinta modelo norte-coreana onde (quase) não há agricultores

O governo de Pyonhyang convidou um grupo de jornalistas estrangeiros a visitar a cooperativa agrícola de Jangchon.

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Um dos poucos trabalhadores da cooperativa Jangchon Damir Sagolj/Reuters
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O infantário da cooperativa, onde as crianças brincam com armas de plástico The Washington Post
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Dizem que é uma cooperativa agrícola exemplar. Há legumes, claro, mas praticamente não se encontra um agricultor nem se vê actividade. E está surpreendentemente limpa, tendo em conta que normalmente as quintas têm alguma sujidade.

“Este é um local muito bonito. Todos os cidadãos de Pyongyang invejam esta quinta”, afirma Park Myong-shil, um guia escolhido pelo Estado, enquanto exibe orgulhosamente a um grupo de jornalistas a cooperativa de Jangchon, a sudeste da capital.

A obscura Coreia do Norte permitiu a alguns jornalistas internacionais entrar na capital na semana que antecede o muito antecipado congresso do Partido dos Trabalhadores, que deverá começar na sexta-feira. E o regime está desejoso de exibir os seus progressos na forma como o país é gerido desde que Kim Jong-un assumiu a liderança, há quase cinco anos.

A propriedade, que Kim visitou em Junho passado, foi criada para servir de exemplo, e diz-se que serve de modelo a outras cooperativas agrícolas do país. Por isso, os jornalistas saíram das ruas movimentadas da cidade para visitar este complexo, onde não se vê ninguém.

Uma praça central tem um mural com Kim Il-sung, o “Eterno Presidente” da Coreia do Norte, com couves aos pés. À volta do largo, vários caminhos, sem qualquer sinal de sujidade, levam a casas todas iguais, com painéis solares iguais, e aquecimentos de água nos telhados iguais. Altifalantes soltam música revolucionária e mensagens para que se trabalhe com afinco – dirigidas a quem, não é óbvio.

“Foram tão amáveis em se terem livrado de toda a gente. Assim não temos que nos preocupar com eles a entrar pelo nosso plano”, brinca um cameraman.

Primeira paragem: um gigantesco e imaculado auditório com fotografias dos antigos líderes Kim Il-sung e Kim Jong-il no fundo do palco. Este é um espaço que os residentes podem usar para se divertirem, como zona de karaoke comunitário ou para celebrar o dia da mãe, explica o director da quinta. Tem mais ambiente de centro de reeducação do que de diversão.

Segunda paragem: um jardim-de-infância onde à entrada há uma pintura de crianças alegres e o slogan: “Somos felizes”. Ouvem-se crianças a cantar cantigas bem dispostas, como que adivinhando que os jornalistas estão a chegar. Quando um repórter entra na sala, os meninos, entre os quatro e os cinco anos, viram-se com um sorriso forçado e fazem uma vénia, sem nunca parar de cantar.

Os corredores estão decorados com desenhos de animais – num, um esquilo tem na mão um lança-granadas – e nas prateleiras de brinquedos encontram-se tanques. Noutra sala, uma professora ajuda uma criança de dois anos a mostrar a sua metralhadora de plástico aos jornalistas, enquanto os outros bebés ficam praticamente sem expressão, sem um único sorriso nem uma única lágrima, enquanto os jornalistas ocidentais, alguns com câmaras apontadas, passam por eles.

Depois, os visitantes passeiam livremente pelas casas (sempre acompanhados) alinhadas como túmulos. Aparentemente, vivem três mil pessoas nesta cooperativa. Mas sem contar com algumas pessoas a trabalhar na estufa e mais um punhado a reparar telhados ou a pintar postes eléctricos, não se vê ninguém. Dentro do edifício de ciência, o equipamento de laboratório repousa como objectos de museu.

Onde está toda a gente? Um dos acompanhantes diz a um jornalista que estão todos a trabalhar nos campos. Outro disse ao seu encarregado que estão em reuniões.

E estas terras à frente das casas? São jardins caseiros, dizem os acompanhantes. Uma casa tem um jardim só de couves, outra só de pepinos, a seguinte apenas abóboras.

A agricultura tem sido uma das áreas nas quais tem havido mudanças significativas nos últimos anos na Coreia do Norte. O regime de Kim Jong-un mudou o sistema de quotas para permitir aos agricultores manterem entre 30% e 60% das suas colheitas, quer para consumo próprio, quer para venderem nos mercados. Os analistas económicos têm observado atentamente estas alterações, que fazem parte de uma tentativa mais alargada de caminhar para uma economia de mercado.

Mas aqui, os agricultores ficam com 10% da sua produção, diz Ri Seung-il, vice-director da propriedade, ao mesmo tempo que refere os números 30 e 70 – a resposta não chega a ser clara.

De seguida, os acompanhantes levam os jornalistas e todo o seu equipamento para uma casa ocupada por Hong Son-suk, antiga professora que há um ano vive aqui, com o seu marido, filho e neto. A casa tem uma cozinha tradicional, com os fornos no chão, e dois quartos, cada um com oas fotografias obrigatórias dos líderes do país na parede.

“Não temos preocupações”, diz Hong. “Vivemos uma vida amena e feliz”.

Um dos jornalistas abre o frigorífico de Hong e encontra morangos e peixe – parece que ela realmente vive ali. Lá fora, está um boneco com um ar velho. Como se chama? Prosperidade.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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