A Primavera exemplar tem agora de evitar o Inverno

Dois atentados terroristas vieram pôr em perigo o caminho bem-sucedido da Tunísia rumo à democracia. A segurança e a recuperação económica são agora as prioridades.

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Protsto contra o terrorismo na Tunísia BERTRAND LANGLOIS/AFP

O ano de 2015 seria o primeiro da era democrática na Tunísia e representava o culminar de um processo iniciado no final de 2010, com a eclosão da primeira “Primavera Árabe”. Para trás ficaram o ditador Ben Ali, os assassinatos políticos e o perigo de hegemonia das forças fundamentalistas. Mas 2015 foi também o ano em que a Tunísia não mais conseguiu manter a redoma que a protegia do mundo caótico que a rodeia.

O trabalho de mediação política feito pelo Quarteto de Diálogo para a Tunísia – galardoado com o Prémio Nobel da Paz – cumpriu o seu propósito de conduzir o país à democracia. Depois de um período marcado pela polarização social e política, cristalizada num confronto entre secularistas e islamistas, os tunisinos elegeram livremente um Presidente e um novo Parlamento. Fechava-se o ciclo, o único que deu um final feliz a uma das Primaveras árabes.

Mas o optimismo com que da Europa se olhava para o outro lado do Mediterrâneo foi substituído nos últimos meses por uma apreensão inicial e, finalmente, por medo declarado. Na manhã de 18 de Março, dois homens armados dispararam indiscriminadamente sobre as pessoas que chegavam ao Museu Bardo, em Tunes. Morreram 22 pessoas, vinte delas turistas. Três meses depois, a 26 de Junho, um homem com uma metralhadora Kalashnikov espalhou o caos numa praia de um resort turístico em Sousse. Foram mortas 38 pessoas, entre hóspedes e trabalhadores do hotel, incluindo uma turista portuguesa.

Seria difícil imaginar um teste mais duro às novas autoridades tunisinas e à sua recém-fundada democracia. De imediato, o primeiro-ministro Habib Essid declarou guerra ao terrorismo. A resposta do seu Executivo foi o reforço do policiamento em zonas consideradas sensíveis – sobretudo os destinos turísticos – e a repressão das associações e mesquitas conotadas com os ensinamentos fundamentalistas. O estado de emergência foi declarado logo após o atentado de Sousse e só no início de Outubro é que foi levantado.

O clima de insegurança convivia agora com a aplicação de medidas anti-terroristas severas e com as habituais repercussões em toda a sociedade em termos de restrições de direitos e garantias, e que mesmo democracias consolidadas têm dificuldades em digerir. Em concreto, temia-se o regresso do ambiente polarizado de 2013, quando dois políticos da esquerda laica foram assassinados por fundamentalistas islamistas.

Os dois ataques foram reivindicados por elementos do autoproclamado Estado Islâmico e são enquadrados no processo de “globalização” da actuação do grupo. Depois de estabelecido um "califado" nas zonas ocupadas do Iraque e da Síria, a organização jihadista recebeu juramentos de fidelidade de grupos em várias partes do mundo árabe e conseguiu estabelecer-se na Líbia, aproveitando o caos e o vazio político deixados pela guerra civil.

Fazendo fronteira com um dos países mais instáveis da actualidade, não havia forma de o frágil projecto democrático da Tunísia ficar incólume. A Líbia tornou-se num foco de atracção para milhares de tunisinos recrutados pelo Estado Islâmico – segundo estimativas recentes serão quatro mil, a que se juntam três mil na Síria e no Iraque.

Há igualmente uma mensagem patente nos dois ataques, que tornam a Tunísia vítima do próprio sucesso. “Não nos podemos esquecer que o nosso pequeno país, moderno e cosmopolita, é também uma ameaça a outros países na região”, dizia à revista Der Spiegel a proprietária do hotel de Sousse, Zohra Driss, pouco tempo depois do ataque.

Economia preocupa

As medidas securitárias aplicadas pelo Governo pouco fizeram para contrariar a reacção mais temida: a fuga em massa de turistas europeus. Logo nos primeiros dias após o atentado na praia de Sousse os hotéis tunisinos receberam milhares de pedidos de cancelamento. De acordo com o Ministério do Turismo, o número de turistas da Europa este ano caiu 20%, levando ao fecho de cerca de 50 dos 600 hotéis do país. Calcula-se que sejam perdidos cerca de 50 mil empregos ligados à indústria, o que deverá agudizar os níveis de desemprego. A taxa está nos 15,3%, mas é entre os jovens que a situação é mais dramática (cerca de 34%). A cadeia hoteleira proprietária do resort atacado em Junho pondera retirar-se totalmente do país, onde tem nove operações. Aos cancelamentos potenciados pelo pânico imediato, seguiram-se as recomendações em alguns dos principais países europeus para que não se fizessem viagens para a Tunísia, reforçando a crise na indústria.

Com o recuo num sector que representa 7% do PIB do país, a Tunísia prepara-se para ter um crescimento tímido de 1% este ano. Há também preocupações que são recorrentes mas que se agravam no actual período. Apesar de ser um país de pequena dimensão, há diferenças consideráveis de desenvolvimento entre as regiões do litoral Norte, mais dinâmicas e viradas para o turismo, e do Sul interior, muito dependente da comercialização de fosfato, cuja exploração tem sido limitada.

Neste contexto, o apoio externo assume um papel importante para impedir que o panorama económico da Tunísia se degrade até a um ponto em que ameace a estabilidade política. Horas antes de ser conhecida a decisão do Comité Norueguês do Nobel, a comissária europeia do Comércio, Cecilia Malmstrom, anunciava uma viagem a Tunes para dar início às negociações de um acordo de comércio livre entre a União Europeia e a Tunísia. E, dirigindo-se directamente aos tunisinos, não escondia o carácter eminentemente político deste passo: “Estamos ao vosso lado para apoiar as reformas económicas e políticas que estão a fazer durante esta situação frágil.”

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