A nova era da Grécia já nasceu e o jornalista Zirganos faz parte dela

O adágio de que na crise há oportunidades provou ser verdadeiro para um jornal de esquerda.

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Do director à telefonista, todos os trabalhadores do Efimerida Ton Sindakton recebem 850 euros por mês Miguel Manso

“Estamos no início de uma nova era”, declara Nikolaos Zirganos entre um cigarro e outro, uma tossidela e outra, não sem alguma solenidade. “A velha Grécia morreu, o Zorba morreu”, garante. “A nova era vai ser completamente diferente, mas ninguém sabe ainda como será. Ainda ninguém viu a nova Grécia.” É como um recém-nascido: “Ouvimos o seu choro, mas ainda não sabemos como é e como vai acabar.” Uma coisa é certa: “Vai ser completamente diferente.”

A política da Grécia tem andado à volta de duas ideias, diz Zirganos: medo e esperança. O medo era sobretudo da saída do euro, que a situação ficasse pior. Mas muitas pessoas sentem que já não têm nada a perder. “A mudança já não assusta. A esperança ganhou ao medo.”

A vida de Nikolaos Zirganos está muito ligada à nova era. O país moveu-se para a esquerda. E Zirganos trabalha num jornal de esquerda, numa cooperativa em que todos ganham o mesmo, da secretária ao director, em que as reuniões de doze editores dão discussões sem fim. Um jornal de esquerda mas profissional, sublinha, enquanto faz uma visita guiada à redacção, parecida com qualquer redacção em qualquer cidade. Mas com a particularidade de ter sido toda montada pelos seus trabalhadores.

Nascido do Eleftherotypia, um jornal de esquerda que fechou devendo milhares de euros aos trabalhadores, o diário Efimerida Ton Sindakton começou em 2012 com um projecto de jornalistas que tinham ficado sem emprego. “Tentámos todos de modo individual, mas falhámos”, diz Zirganos. “[Depois disso], decidimos tentar fazer algo que ninguém – nem nós próprios – acreditava que resultasse.” Procuraram fazer um jornal que ocupasse o espaço vazio deixado pelo desaparecimento do Eleftherotypia.

“Não sabíamos nada sobre gerir uma empresa; sabíamos escrever”, diz Zirganos.  

A crise ajudou-os: o espaço foi muito mais barato, as impressoras também, as secretárias vieram do Ikea, que fez um preço especial, até quem instalou a Internet e a rede dos telefones deu condições melhores: “Apoiavam o nosso projecto.”

O jornal começou com mil euros de cada uma das pessoas (25 ao início, depois 100) e dois meses de trabalho gratuito. Arriscar mil euros e dois meses não parecia muito. Claro que havia quem não tivesse mil euros – o jornal que fechou deixou os trabalhadores sem nada. Entre família a amigos conseguiu-se. Quando foi preciso fazer um novo investimento para pagar o papel e a impressão, alguns defenderam pedir aos bancos. Zirganos não o podia aceitar. “Os bancos destruíram este país. Se aceitássemos dinheiro deles, poderiam pressionar-nos. Seria o fim da nossa independência.” 

Se Zirganos é muito duro para com os bancos, os políticos, os oligarcas e as poucas famílias gregas que concentram o poder no país, não esquece responsabilidades de cidadãos e jornalistas. “Escolhemos ignorar o que se passava. Nós, jornalistas, também não fizemos bem o nosso trabalho.”

Jornais elogiam o Syriza
Com os media a terem uma tendência geralmente a favor do Governo e do “velho sistema político”, o ponto de vista diferente do Efimerida Ton Sindakton é a sua grande mais-valia. “Hoje somos o quarto jornal da Grécia”, diz orgulhoso Zirganos. “As pessoas confiam em nós.”

“Os neoliberais diziam que há oportunidades na crise e nós ríamo-nos. Porque, francamente, essas oportunidades costumam ser para os ricos, os que têm dinheiro e ganham mais”, lembra Zirganos. “Mostrámos que também os pequenos podem conseguir.”

Não nega que há centenas de histórias más na Grécia: “Quase nos tornámos um país de terceiro mundo.” Mas gosta de contar a sua história e a do seu jornal, uma história boa. “O mais importante é que há uma saída.” Neste momento são 140 pessoas, todas, do director à telefonista, recebem 850 euros por mês. “Temos um salário garantido, podemos fazer o nosso trabalho com dignidade. Estamos muito optimistas.”

 “Cada época tem a sua cultura, a sua política, e os seus media”, decreta Zirganos com uma ligeira seriedade. Esta é a época do seu jornal, o único que continua a aumentar as vendas. Nota que recentemente, antecipando a mudança de poder, quase todos os jornais mudaram a sua posição quanto ao Syriza, o partido de esquerda (mais ou menos radical conforme os comentadores) que segundo as sondagens vencerá as eleições de domingo, passando de uns meros 4,6% nas eleições de 2009 para uns possíveis 30% ou mais nesta votação, segundo várias sondagens. “Tirando os conservadores, alguns jornais são agora mais Syriza do que nós”, observa. “Outros, que em 2012 diziam que o Syriza era uma esquerda irresponsável, agora dizem que é um partido de centro-esquerda e que Tsipras é um líder carismático.”

Apesar deste recentramento do país, Zirganos nota que nem todos os que vão votar no Syriza descobriram que são de esquerda ou mudaram de posição política. “Estão a votar contra a Nova Democracia e o Pasok”, os dois partidos que governaram a Grécia alternadamente desde 1974 e que agora governam em coligação.

As manifestações acabaram. O novo protesto é o voto, que é o que interessa aos políticos. “As pessoas perceberam que não ganham nada em manifestar-se”, diz. “Assim decidiram castigar os partidos votando contra eles.”

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