A incerteza turca

Muito do que suceder a curto prazo no sistema político turco depende, em grande medida, do Partido Republicano do Povo (CHP), a segunda maior força política da Turquia e principal partido da oposição que dispõe de 135 lugares (num total de 550) no Parlamento. Isto porque o Presidente Recep Erdogan, quer alterar a Constituição para reforçar os seus poderes, mas nas últimas legislativas, realizadas em Novembro passado, o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), a formação política que dirige e que governa o país desde 2002, não conquistou os dois terços de lugares que lhe permitiriam mudar a Constituição e fortalecer os poderes presidenciais, nem os três quintos necessários para convocar um referendo sobre a revisão da Lei Fundamental. Em concreto, o AKP obteve uma maioria absoluta de 312 deputados, mas para acomodar a ambição do Presidente, alterando dos equilíbrios de poder entre os vários órgãos de soberania, precisava de chegar aos 367 lugares. Aliás, muita da tensão que se vinha acumulando no país nos últimos tempos também se devia ao facto de a crescente pulsão centralizadora de Erdogan esbarrar nessa realidade com que ele ia convivendo cada vez com maior dificuldade.

O recente golpe falhado deu ao Presidente turco a oportunidade de ouro para aproveitar politicamente o momento e retomar uma agenda política que nunca abandonou. O reforço dos seus poderes voltou, assim, a estar em cima da mesa como ainda agora se viu na reunião do Conselho Superior Militar em que Erdogan fez saber que quer as Forças Armadas e as agências informação sob a sua alçada, retirando-as da tutela do primeiro-ministro. Acontece que tal só será possível com a aprovação de dois terços do Parlamento, ou seja, com uma aliança entre o AKP de Erdogan e o Partido Republicano do Povo, uma formação de centro esquerda, filiada na Internacional Socialista, que sempre se opôs às pretensões do líder turco.

Conseguirá o CHP resistir às pressões de que vai ser alvo? É que, até agora, a purga pós-golpe que já levou à detenção e expulsão de dezenas de milhares de cidadãos dos seus postos de trabalho não tocou nos partidos políticos, que inteligentemente condenaram em uníssono a intentona. Mas ninguém está a salvo, como se tem visto pelas ameaças de Erdogan. Por outro lado, o CHP convocou há dias um comício na maior praça de Istambul para o qual também convidou o AKP, o seu maior rival, levando a uma unidade nunca vista com militantes de um lado e de outro a festejar em uníssono. O que significa isto?

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