A habilidade russa no xadrez da Ucrânia

As declarações de Vladimir Putin sobre a crise ucraniana apontam numa direcção que interessa à Rússia.

A intervenção de Vladimir Putin, esta quarta-feira, a propósito da crise ucraniana pode aparentar um certo degelo, ou recuo, das posições russas. Mas, vistas com maior detalhe, as declarações do Presidente russo apontam ambas numa direcção que lhe interessa. Adiar o referendo separatista de domingo, que os pró-russos de Donetsk teimam em realizar (esta quinta-feira poderão renunciar a essa teimosia, aceitando o apelo de Putin), pode jogar a favor da Rússia. Isto, porque nada indica que, com a radicalização entretanto operada no terreno, com o endurecer dos embates, os mortos, o medo, os resultados do referendo sejam deveras representativos. Depois porque o apelo, feito em troca do adiamento do referendo, à retirada das tropas ucranianas do Leste tem por finalidade garantir que não haja, também num curto prazo, uma derrota militar dos separatistas. A criação de um pequeno interregno, até que no terreno haja uma maior clarificação dos pesos no prato da balança, pode proporcionar à Rússia um afinar da estratégia. Estes apelos são, para já, tácticos. E a promessa de retirada das tropas russas da fronteira, que ainda nenhuma fonte europeia, americana ou independente confirmou, serve a Putin de moeda de troca nos jogos diplomáticos que se seguirão. Consoante as pressões e a evolução dos pró-russos e dos nacionalistas no terreno, assim agirá Moscovo. Outra “curiosidade” é a aceitação, também tácita, das eleições presidenciais que Kiev marcou para dia 25: aparentemente, Putin desautorizou Lavrov, seu ministro dos Negócios Estrangeiros, ao dizer que tais eleições são “um passo na direcção certa”, isto quando Lavrov dissera, antes, que realizá-las nas condições actuais seria “invulgar”. Mas também aqui, mais uma vez, Putin apostou numa “habilidade” interpretativa, porque esse “caminho certo” passa por haver primeiro reformas constitucionais e só depois ser escolhido o Presidente da Ucrânia – o que deixa tudo na mesma. Putin foi a jogo. Quem jogará com ele?

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