A guerra da Catalunha

O tempo dos compromissos democráticos deve substituir o tempo da competição sectária e da divisão ideológica.

O declínio relativo da Espanha no quadro dos equilíbrios europeus estimulou as estratégias secessionistas dos nacionalismos internos, nomeadamente na Catalunha, ao mesmo tempo que tornou mais rígidas as posições das instituições centrais na defesa dos princípios constitucionais da unidade do Estado.

Nesse quadro, a polarização crescente entre o movimento secessionista catalão e a linha soberanista espanhola criou um quadro de crise constitucional: o Governo de Barcelona quer começar a formar um novo Estado e a elaborar uma constituição para a Catalunha, o Governo de Madrid quer impor o primado da Constituição espanhola que não reconhece às autonomias um direito de autodeterminação que poderia abrir caminho à fragmentação da Espanha.

As eleições de 27 de Setembro confirmaram essas tendências, no termo de uma campanha muito dura de parte a parte. Porém, os resultados da votação apontam para um impasse que pode forçar um compromisso democrático.

Com efeito, o partido secessionista ganhou a maioria dos mandatos nas eleições para o Parlamento, mas perdeu o plebiscito sobre o futuro da Catalunha, que convocou quando a coligação Juntos pelo Sim apresentou o seu projecto para uma declaração unilateral de independência nos próximos dezoito meses. Mais precisamente, a coligação Juntos pelo Sim, que une a direita nacionalista da Convergência Democrática e a esquerda nacionalista republicana (ERC), perdeu a maioria dos mandatos que obteve em 2012 e passou a precisar da Candidatura de Unidade Popular (CUP) – uma facção separatista que quer retirar a Catalunha da NATO da União Europeia – para formar um novo Governo. Em conjunto, a coligação e a CUP tiveram a mesma percentagem de votos do que há quatro anos: a causa independentista vale menos de metade dos votos dos cidadãos da Catalunha.

Nesse contexto, a coligação não tem legitimidade política para avançar com a realização do programa de declaração unilateral de independência, cuja finalidade é forçar uma ruptura constitucional irreversível com a Espanha.

Desde logo, a metade dos cidadãos eleitores que não votou a favor, ou votou contra o projecto separatista deveria ter no mínimo o direito de poder inverter esse processo se ganhasse as próximas eleições. Por outro lado, um processo de autodeterminação nacional exige não só a realização de um referendo, como reclama uma maioria qualificada superior à maioria simples que os secessionistas catalães não conseguem obter. Por último, esse acto só pode ser reconhecido externamente pelas democracias europeias se se realizar num quadro de legalidade constitucional: a maioria dos nacionalistas catalães é a favor da permanência da Catalunha na União Europeia, mas esta não é possível contra a vontade da Espanha.

Os resultados eleitorais negam a legitimidade da estratégia anunciada de declaração unilateral da independência. Mas a alternativa não parece ser a recusa de um compromisso: com 11 por cento dos votos, o Partido Popular fica reduzido à sua porção côngrua, enquanto o Partido Socialista, partidário de uma revisão constitucional, mantem o seu terceiro lugar na hierarquia catalã, atrás dos Cidadãos, que passam a comandar a oposição soberanista, e à frente do Podemos, tipicamente incapaz de tomar posições sobre questões políticas sérias.

O impasse está criado: a Catalunha não pode ser independente quando metade dos cidadãos não aderiu ao projecto secessionista, o Partido Popular não pode querer governar a Espanha contra a Catalunha ou sem a Catalunha. A Constituição espanhola nega aos Catalães e aos Bascos direitos de nacionalidade que a democracia espanhola lhes pode reconhecer. A Catalunha e o País Basco não são autonomias ao mesmo título do que a Andaluzia ou a Galiza e a sua especificidade histórica deve poder ter uma tradução política na organização constitucional do Estado.

No dia seguinte às eleições, o tempo dos compromissos democráticos deve substituir o tempo da competição sectária e da divisão ideológica: a virtude própria da democracia é ter sempre uma alternativa para as crises.

Nas vésperas das eleições políticas na Espanha é o momento dos partidos responsáveis apresentarem ao conjunto dos cidadãos espanhóis as propostas realistas para um compromisso necessário que pode exigir a revisão da Constituição para garantir a continuidade a unidade do Estado democrático.

Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-UNL)

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