A Grécia gritou NÃO

Os gregos festejaram a vitória da "dignidade" numa consulta que mostrou “que a democracia não pode ser chantageada”. Tsipras quer “uma frente nacional de unidade” com todos os partidos para representar Atenas em Bruxelas. E quer recomeçar já a negociar. Cimeira da UE marcada para terça-feira.

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Muitos gregos festejaram pela noite dentro, cantaram e dançaram Sakis Mitrolidis/Reuters
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“Não”, e agora? Na praça Syntagma quem festejava a expressiva vitória do “não” dizia que quer um acordo com a União Europeia. Ao dirigir-se aos gregos, o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, assegurou: “Estou completamente consciente que o mandato que me deram foi para negociar dentro da Europa.”

O resultado do referendo foi de 61,31% para o Não, 38,69% para o Sim, com uma abstenção de 37-38%. A vitória do “não” foi maior do que o antecipado por todas as sondagens, e esperava-se que a cada dia de controlo de capitais, o “sim” avançasse. Não foi isso que aconteceu. Na praça Syntagma, ouvia-se uma e outra vez: ganhou a dignidade.

A alegria era maior do que a ansiedade, a esperança era que, como prometeu o Governo, a sua posição saia fortalecida para as negociações com os credores. O ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, disse que poderia haver um acordo em 24h. Segundo outra fonte do Syriza, Atenas tem uma proposta pronta a assinar, mas não explicitou qual.

No plano externo, Tsipras telefonou a uma série de líderes europeus para assegurar que quer negociar e pedir conversações rápidas. A sua principal reivindicação é o alívio da dívida. No plano interno, quer criar “uma frente nacional de unidade”. Logo depois de falar ao país, reuniu-se com o Presidente, que convocou um encontro com os líderes da oposição para as 10h.

Enquanto isso, a chanceler alemã, Angela Merkel, marcou viagem para Paris para discutir a situação com o Presidente francês, François Hollande, segunda-feira à tarde. Pouco depois foi ainda anunciada uma cimeira europeia extraordinária para terça-feira. Horas antes, vai reunir o Eurogrupo, cujo presidente Jeroen Dijsselbloem, considerou o resultado do referendo “muito lamentável para a Grécia”. Segunda-feira será ainda dia de um encontro que juntará Dijsselbloem aos presidentes do Conselho Europeu, Donald Tusk, Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e Parlamento Europeu, Martin Schulz.

Ao mesmo tempo, será o BCE a ter de decidir sobre a continuação da assistência de emergência (ELA) aos bancos gregos, sem a qual estes só deverão conseguir manter-se alguns dias. Tsipras diz ter a certeza que o banco vai “perceber não só as implicações económicas mas também a dimensão humanitária”. Na vertente política, “todos sabemos que não há soluções fáceis, mas há soluções justas, viáveis – assim queiram os dois lados.”

O BCE já tinha sinalizado que o resultado do referendo teria influência na sua análise por tornar mais improvável um acordo com os credores. Robert Peston, editor de economia da BBC, antevê que o BCE assuma um papel central nos próximos dias não só na decisão em relação à Grécia, mas ainda para evitar um contágio aos países mais vulneráveis e para travar uma subida dos juros da dívida dessas economias. “Os banqueiros esperam um grande contágio do ‘não’ grego nos mercados: o BCE pode não querer financiar a Grécia mas pode ter de intervir em grande nos mercados de dívida”, escreveu Peston no Twitter.

Berlim vê "pontes queimadas"

Da Alemanha, a primeira reacção não foi neste sentido. O ministro da Economia e vice-chanceler, Sigmar Gabriel (do SPD), considerou que Tsipras “queimou todas as pontes com a Europa” e que é “difícil imaginar novas negociações”. Gabriel descreveu o resultado do referendo como “a recusa das regras do jogo da zona euro”. Uma sondagem recente no país indica que a maioria dos alemães era a favor de uma saída da Grécia do euro.

Mas em Roma, o ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, Paolo Gentiloni, considerou, por seu turno, que este é o momento para reiniciar esforços e alcançar um acordo com a Grécia. “Agora, devemos começar a tentar de novo um acordo”, disse, contrapondo no entanto que “não há escapatória para o labirinto grego numa Europa fraca que não está a crescer”.

A vitória do “não” apanhou o primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, numa visita oficial a Cabo Verde e a caminho da Guiné-Bissau. Na sua reacção oficial, o PSD garante que a iniciativa, agora, deve partir de Atenas.  "A realidade torna-se muito simples: o referendo coloca agora nas mãos do governo grego o dever de apresentar uma solução para o impasse a que se chegou”, afirmou Marco António Costa, vice-presidente do partido.

Quase todas as outras reacções oficiais, em Portugal, apontaram a necessidade de haver, também, uma mudança na política europeia de Lisboa. Porfírio Silva, do secretariado nacional do PS, afirmou que " as negociações têm de recomeçar", já que em causa está "o futuro da Europa".

Outros líderes políticos gregos reagiram rapidamente ao resultado. Antonis Samaras, antigo primeiro-ministro e líder do partido conservador Nova Democracia, demitiu-se. Stavros Theodorakis, do pequeno partido centrista pró-europeu To Potami, pediu à União Europeia para “ajudar a Grécia e não a castigar” por este resultado. Também disse que “Tsipras tem de saber o que fazer com esta vitória”, e “tem de prometer não pôr em risco a permanência da Grécia no euro.”

Depois da grande divisão dos gregos ao longo da semana passada, Tsipras agradeceu “a todos, independentemente do voto – de agora em diante somos todos um”. O referendo mostrou “que a democracia não pode ser chantageada”. Na praça Syntagma, gritava-se “bravo”.

Apesar de tudo

Aos gregos juntavam-se estrangeiros, militantes ou turistas. Havia italianos do Movimento 5 estrelas, espanhóis de férias. O primeiro grande burburinho em frente à televisão veio com o ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, o primeiro a reagir. “Os gregos acabaram de dizer ‘não’ a cinco anos de hipocrisia”, disse Varoufakis no ecrã, enquanto alguns filmavam e se abraçavam. "O coração da Europa bate na Grécia, esta é uma Europa democrática", declarou Varoufakis. "Com este 'não' tentaremos cooperar com os nossos parceiros, chegar a um acordo.

Para Rosa, tradutora de 56 anos em semi-emprego, o mais importante de tudo é que “o ‘não’ venceu apesar de tudo – dos bancos fechados, da campanha de terror da televisão, do que vinha do estrangeiro, de empresas a ameaçar pessoas”. As pessoas “mostraram que não têm medo”.

Rosa quer sublinhar uma coisa: “Adoramos a Europa. Mas a questão não é essa. É que o programa não está a resultar. A austeridade não é a única solução. Melhor: não é a solução.” Também culpa – e logo desculpa – o partido de Alexis Tsipras. “Não sou do Syriza, mas votei neles. São novos, não têm experiência”, diz. “Mas tentaram, foram os únicos que tentaram obter um acordo melhor.”

Esperança também é a razão de Lukas e Chris, dois estudantes de cozinha. “Portugal, Espanha e Itália têm problemas semelhantes – agora para eles nós somos o problema. Mas na Europa somos família. Não queremos ser livres, não queremos deixar a família. Mas também não queremos ser escravos. E é assim que nos querem – sem dinheiro e sem sonhos.”

Com Paulo Pena, Pedro Crisóstomo e Sofia Lorena

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