A febre das casas pequenas

Cada vez mais pessoas optam por construir a sua própria casa, minúscula, e viver nela.

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Ser feliz numa casa pequena Catarina Fernandes Martins e Paulo Moura

A consciência ecológica, a filosofia do "faça você mesmo", a crise financeira e do sector imobiliário foram as condições para que o movimento eclodisse. Nos EUA, e um pouco por todo o mundo, cada vez mais pessoas optam por construir a sua própria casa, minúscula, e viver nela. Só assim se sentem donas das suas vidas

Já a morada é estranha. “Quintal do n.º 50 da Rua W…” Quintal do número 50? Sage Rad vive num quintal? Não há dúvida, é aqui. O número 50 corresponde a uma casa enorme, de madeira, idêntica a todas as outras de Roslindale, um bairro quase chique não muito distante do centro de Boston. Mas o acesso à garagem está tapado por uma velha carrinha Dodge com um estranho atrelado de madeira. Ao lado há uma bicicleta também com um atrelado comprido onde pode dormir uma pessoa. E depois a cabana.

Esta é a morada de Sage, uma barraca de madeira que ele próprio construiu, há quatro anos, num quintal emprestado. Há ainda materiais a toda a volta, além de lixo, tábuas, troncos, quadros, espelhos, baldes, cadeiras e mesas, serviços de porcelana, plásticos, relógios, vasos, escadotes, candeeiros, guitarras, galinhas…

O seu mundo escapa a qualquer arrumação lógica. Ou assim parece. Inclui a cabana e o terreno à volta, e a garagem, transformada em oficina. Contíguo ao seu quintal, existe um enorme campo de golfe. Por vezes, as pequenas bolas brancas vêm aqui parar, como meteoritos provenientes de uma galáxia hostil. Nunca as devolve.

No interior da pequena casa reina o caos. É a primeira impressão. Mas há um fogão para cozinhar e uma salamandra para aquecer. A electricidade é fornecida por painéis solares instalados lá fora. Uma cama, num beliche, e nas paredes prateleiras com centenas de frascos, latas, recipientes, facas, utensílios de cozinha, fruta, nabos, cebolas, ovos, chávenas e bules de chá, quadros, papéis pendurados. Por baixo da cama é o lugar da roupa. É difícil não considerar que está amarrotada. Por cima do colchão, e atrás do saco-cama engelhado, dispõem-se os livros, alinhados como num escaparate. Em destaque, à cabeceira, A Origem das Espécies, de Darwin.

As galinhas passeiam-se sobre as prateleiras da comida, debicando aqui e ali, esvoaçando pela casa. Sage Rad (abreviatura de Radachowski, o seu apelido eslovaco) senta-se num banco e faz café. Barba, cabelo desgrenhado, de 39 anos, uma T-shirt com manchas coloridas e a frase “Legalize Life”. Seria fácil dizer que tem um olhar de louco. Demasiado fácil.

O seu estilo de vida é radical. Não concorda com a actual organização da sociedade, portanto decidiu não gastar dinheiro. Consegue tudo por outras vias. “Tenho o que preciso: comida, água, abrigo, calor. Tento simplificar a minha vida o mais possível”. Tem tudo, mas não compra nada. “Esta é a minha maneira. Vou à procura de comida nos contentores de lixo, cultivo comida, encontro comida na floresta. As galinhas dão-me ovos, as abelhas o mel. Há maneiras de conseguir comida. Não tem de envolver dinheiro. Vivo aqui, pago uma pequena renda, mas espero não ter de pagar nada no futuro. Para ser livre, tenho de viver nas margens do sistema”.

Para mostrar que isto é verdade, vai buscar umas folhas de couve guardadas num monte de estrume. Apanhou-as no lixo e vai cozinhá-las, explica. Quase tudo o que tem e o que consome foi apanhado no lixo. Os materiais para construir a casa, a roupa, os sapatos. “Ainda compro algumas coisas, mas não muito. Gostaria de passar um ano inteiro sem comprar nada”.

Qual é a sua profissão? “Carpinteiro”, responde. E acrescenta, com um sorriso envergonhado: “Também trabalho em Harvard, na área de electrónica”.

Na universidade mais prestigiada do mundo, Sage Rad está envolvido num projecto de investigação importante. É melhor ser ele a explicar: “Neste momento, trabalho com um professor chinês num projecto para produzir tecnologia de purificação de água, que será aplicada na China. Remover arsénico da água, eliminar a poluição. Trabalho com micróbios e electricidade. São micróbios eléctricos. O processo chama-se bioelectrossíntese e, basicamente, consiste em ter micróbios vivendo num pedaço de grafite, na lama. Outro eléctrodo, na água, produz algumas reacções metabólicas, que ajudam a purificar a água”.

Na universidade, pedem-lhe que trabalhe a tempo inteiro, mas ele recusa. Vai lá apenas uma hora por dia. Também lhe ofereceram empregos em grandes companhias, mas não aceitou. Já trabalhou em software e alta tecnologia. Deixou tudo, pela carpintaria. Constrói casas e pinta paredes. Outra actividade a que se dedica é a construção de guitarras. Já tem muitas, penduradas na oficina. O formato é estranho, inventado por ele, e serve dois propósitos: a facilidade de transporte na bicicleta, e a produção de um som único.

Para esta finalidade, Sage entregou-se ao estudo profundo da ciência acústica. Depois de muitas experiências, inventou técnicas próprias. No interior da caixa de ressonância coloca uma estrutura em madeira em forma de náutilo, inspirado pelas investigações de Leonardo da Vinci. E para afinar o braço do instrumento adopta modelos de escalas tonais aproximativas, seguindo o exemplo das afinações de Bach no Cravo Bem Temperado, porque na música, explica, perfeição e rigor não são o mesmo.

“Muitos construtores de guitarras usam modelos matemáticos para definir as medidas dos trastes. Mas na música as fórmulas matemáticas não funcionam. É preciso encontrar a imperfeição certa. Tudo é compromisso”.

Pega numa das guitarras e começa a tocar. O som é puro e a afinação perfeita. Executa a Cantata 147, Jesus, a Alegria dos Homens, de Bach, numa interpretação irrepreensível, limpa, comovente.

Como acontece com tantas outras coisas que sabe fazer, Sage não aprendeu música. É oriundo de uma família pobre, e, depois da escola secundária, estudou Antropologia na Universidade do Connecticut. Mas em breve viajou para o Nepal, onde viveu em aldeias, ensinando Sociologia, Inglês e Ciência Computacional. Onde aprendeu isso?

Prefere explicar como aprendeu a viver de forma simples, nas nove viagens que fez aos Himalaias. No regresso começou a trabalhar em carpintaria, na construção de casas. “Construí muitas, para os outros, mas não tinha possibilidade de construir a minha própria casa. Isso mostra como o sistema não está certo. Temos de pagar simplesmente para existir, neste planeta. Nós nascemos aqui. Porque temos de pagar pelo privilégio de viver cá? Acredito que podemos construir a nossa própria casa. Mas o facto de algumas pessoas possuírem a terra e outras terem de pagar apenas para existir não está certo. Não é moral nem ético”.

Um dia Sage encontrou um livro sobre a vida dos ciganos. Foi aí que decidiu construir a sua barraca. Criou até um site na Net chamado Gypsyliving.org, mas como não pagou a taxa anual de alojamento, cancelaram-no.

Levou quatro meses a construir a casa, trabalhando só aos fins-de-semana. Vive cá, sozinho, mas não se sente só. “Nada disso. Do que preciso é de mais tempo sozinho. As pessoas estão sempre a visitar-me. Passo algum tempo sozinho, mas preciso de mais. Ainda estou no sistema, e desperdiço muito tempo a fazer dinheiro. Cada dia chegam mais cartas pelo correio. Contas, do Governo. Tento ter mais tempo para mim, cortando nas coisas que não significam nada. Não preciso de mais coisas. Só preciso de mais tempo”.

No quintal há uma capoeira com nove galinhas, e uma colmeia de abelhas. Foi Sage que a construiu, depois de muito estudo por conta própria, como é seu hábito. Mostra o livro que anda a ler – A Democracia das Abelhas, de Thomas Seeley. “Elas têm um processo de tomada de decisões. As abelhas têm mais democracia do que os EUA”.

Quer mostrar a colmeia, mas quando lá chega espera-o uma surpresa terrível: todas as abelhas tinham morrido. Encontra logo uma explicação: “Foi a poluição, os produtos químicos. O stress”. Retira as tábuas do cortiço, com uma navalha, e encontra os milhares de insectos mortos no interior. Mas também os favos inchados de mel, que traz para casa. O seu olhar já não parece louco, apenas imensamente triste e humano. Faz planos para capturar um novo enxame junto às flores da Primavera, e construir uma nova colmeia. “É uma doce tragédia”, diz ele, chupando os dedos cheios de mel. “Vou construir uma colmeia muito boa, para que elas queiram ir para lá viver. As abelhas escolhem a sua própria casa”.

Sage Rad escolheu esta cabana e não tenciona alguma vez voltar a viver numa casa “normal”. Vai construir outra cabana para a namorada, e talvez um dia comprar um terreno onde poderão viver algumas dezenas de pessoas, cada uma na sua casa minúscula. Sage acha que isso será possível, porque não está sozinho. Apesar de toda a sua singularidade, pertence a um movimento.


John, discípulo de Thoreau
John Mitchell já não vive aqui. Mas todos os dias vem à sua cabana. É onde tem grande parte dos livros, o piano, a cadeira onde gosta de se sentar, os diários – os seus e os de Henry David Thoreau, de muitos volumes, em prateleiras contíguas. Sente-se bem na pequena casa de madeira em tons claros, porta e janelas trabalhadas e um alpendre. “É confortável, é o sítio certo para estar. Na Primavera e no Verão, venho para cá trabalhar”.

Mesmo em frente, ergue-se a casa que habita agora, enorme, de estilo vitoriano, mas construída sob o mesmo modelo da cabana. Como se esta fosse a casa verdadeira, e a outra uma imitação em ponto grande. Uma utópica e permanente, outra possível, provisória, emprestada à própria capitulação. Mas sem existência autónoma. Já o desaparecimento da cabana transformaria John num sem-abrigo.

Construiu-a, sozinho, em 1982, depois de se ter divorciado. Estava deprimido e sem dinheiro, mas não queria viver longe dos filhos. Decidiu então, usando madeiras e materiais recolhidos no lixo, ou cedidos por amigos, construir uma pequena cabana no terreno em frente à casa da mulher. Viveria ali, sozinho, para poder ver e visitar os filhos, não importava o que dissessem as pessoas na cidade de Concord e nas aldeias vizinhas.

John, hoje com 72 anos, é oriundo de uma família de camponeses, de Maryland. Em criança, costumava brincar ao ar livre, sempre gostou do contacto com a Natureza. E tinha lido na escola, como todos os americanos, os livros de Henry David Thoreau. Por coincidência, o lugar onde habitava agora, no Massachusetts, situava-se a poucos quilómetros do lago Walden, nos arredores de Concord, onde, no Verão de 1845, Thoreau construiu a cabana onde viveu dois anos, sozinho, afastado da civilização e das suas convenções.

John tinha lido Walden, ou a Vida nos Bosques, o livro onde o famoso autor relata a sua experiência, com base nos diários que escreveu. Ficara fascinado com a filosofia da simplicidade, rejeição das injustiças sociais e opressão do indivíduo. Thoreau criticava o desenvolvimento industrial e a destruição da natureza, o consumismo e as necessidades artificiais criadas pela sociedade. Recusava-se a pactuar, e portanto a pagar impostos, com um Estado iníquo, perpetrador de crimes como o esclavagismo ou a guerra. Desenvolveu uma teoria de resistência individual, que expôs no ensaio Desobediência Civil, que lhe custou inimigos e até a cadeia, mas viria a ter inimaginável repercussão.

John Hanson Mitchell tinha de tudo isto um conhecimento superficial, mas, desde que se mudou para o Massachusetts, e talvez porque Walden Pond ficasse  no seu percurso diário para o trabalho, começou a ler os diários de Thoreau. A ideia de tentar uma aventura semelhante já andava na sua cabeça há algum tempo quando o casamento chegou ao fim. Nesse momento, aliás, um arqueólogo amador, Roland Robens, tinha identificado o local exacto onde Thoreau construíra a sua cabana. Enquanto as autoridades decidiam erguer lá uma réplica, para visitas turísticas, John contactou Robens, pedindo-lhes os planos da cabana.

A ideia era construir uma igual, na sua propriedade. Com adaptações, é claro, ao seu tempo e gostos. Ao carácter austero e tosco da construção de Thoreau John adicionou conceitos que aprendeu com Andre Jackson Dawning, o arquitecto e desenhador de jardins responsável pelo revivalismo gótico americano do século XIX. Numa preocupação com os hábitos e a natureza locais, Dawning quis adaptar às construções de madeira o que os arquitectos medievais edificavam em pedra.

Para John, tratava-se de acrescentar algum conforto e bom gosto à cabana, que teria, porém, as mesmas medidas que a de Thoreau – três metros de largura por cinco metros de comprimento. Contas feitas, a pequena habitação custou 1200 dólares, incluindo a lareira, a casa de banho exterior, nas traseiras, e o depósito de água.

E durante dois anos John viveu aqui. Cozinhava, aquecia-se a lenha durante os rigorosos Invernos, quando a neve era tanta que o acesso à casa só era possível de esqui. De dia, quando estava bom tempo, gostava de sentar-se à porta, observando os pássaros, e à noite escrevia, à lareira, à luz de um candeeiro de petróleo.

Era uma vida intensa e a todos os títulos mais completa e perfeita do que a dos habitantes das povoações em redor, para os quais a situação do novo eremita era motivo de falatório. Na mesma altura em que a casa ficou pronta, uma empresa de computadores construiu um edifício enorme nas imediações. E John não pôde deixar de comparar o valor das duas obras, quando, ao ocorrer a primeira grande tempestade, a firma de computadores ficou sem água e electricidade, sendo forçada a fechar portas, enquanto a vida na cabana, com os seus candeeiros de petróleo e depósito de água da chuva, decorria com normalidade.

John tentou reviver a experiência de Thoreau. Lia os diários dele e, a certa altura, começou a escrever também os seus. “Tomava nota dos eventos da natureza que se iam sucedendo ao longo do ano”, conta ele. E com isso ia aprendendo. Ganhava consciência do ciclo das estações: “Algo de que não nos apercebemos numa casa com aquecimento central, um bom isolamento. Aí, ficamos separados da Natureza”.

A outra lição que aprendeu foi a da simplicidade. “Simplificar, simplificar, como dizia Thoreau. A essência da civilização não é o aumento dos desejos, mas a eliminação das necessidades”.

Tal como Thoreau, John Mitchell escreveu um livro sobre a experiência – Living at the End of Time (Vivendo no Fim do Tempo). E outros quatro sobre o mesmo tema. Fez-se tão íntimo daquele pedaço de terra que sentiu necessidade de estudar a sua botânica e zoologia, a sua história e geologia. Em Ceremonial Time: Fifteen Thousand Years on a Square Mile (Tempo Ceremonial: 15 mil Anos numa Milha Quadrada) conta a história daquele terreno, que foi um dia habitado por índios, e em redor do qual estão agora a construir novas estradas.

“Usei esta milha quadrada como metáfora do que se passa no mundo. Fiquei a conhecer realmente este espaço. O clima, a vida selvagem, o passado e o presente. Investiguei muito, para poder compreender este território. Acho que isso é fundamental para se estabelecer uma relação sensível com o meio ambiente. Um sentido do espaço, os meus livros são sobre isso”.

E foi assim, involuntariamente, que John Hanson Mitchell se tornou num dos pioneiros do movimento. Em 1998, um livro viria a tornar-se no marco oficial: The Not So Big House, escrito pela arquitecta de origem britânica Sarah Susanka. Apresentava toda uma filosofia de vida, resumida num novo design para a habitação. O êxito foi enorme e nunca mais pararam nem as publicações nem os aventureiros dispostos a fazerem experiências. Um outro livro, intitulado Tiny Tiny Houses, de Lester Walker, ensinava a construir cabanas para férias.

O Movimento das Casas Pequenas (Small House Movement, ou Tiny House Movement – THM) nasceu e cresceu como uma confluência de vários factores. De início, foi essencialmente influenciado pela sensibilidade ambientalista. Uma casa pequena não polui tanto, não consome tanta energia, não deixa uma pegada tão pesada como as casas enormes que se estavam a tornar numa ambição quase obrigatória dos americanos. Viver numa casa pequena era um gesto de consciência ecológica.

Ao mesmo tempo, o movimento DIY (Do It Yourself – Faça Você Mesmo) ganhava adeptos em todo o mundo, graças à difusão da Internet. Nascera nos anos 60 e 70, ganhando características de movimento artístico, com o punk rock, depois com o indy e outras correntes que valorizavam a independência dos criadores. Generalizou-se ao mundo da bricolage e, por fim, da construção de casas. Acabou por se tornar ideologia, contestatária de uma sociedade que nos faz perder capacidades individuais, para nos fazer depender de uma rede artificial de serviços inúteis.

Segundo o movimento DIY, devemos aprender a fazer tudo, para nos tornarmos autónomos e livres. Se uma torneira se avaria, deveríamos ser capazes de a reparar, sem necessidade de um canalizador. Com essa atitude, seríamos mais conscientes do mundo, mais autoconfiantes, mais poderosos.

No rescaldo do furacão Katrina, em 2005, uma designer chamada Marianne Kusato desenvolveu um projecto de construção de pequenas casas para os desalojados, que os próprios poderiam montar e reparar. Essas casas tornaram-se populares por todo o país.

Por fim, rebentou a crise, a partir de 2007, que afectou antes de tudo o sector imobiliário. Milhões de pessoas perderam as suas casas, e outros tantos não tinham dinheiro nem crédito para comprar ou arrendar uma primeira habitação. Foi nesse momento que o Movimento das Casas Pequenas explodiu.

Já tinha sido criada, em 2002, uma Small House Society, tinham sido editados vários livros e websites. Mas de repente foi como uma febre. Se nos anos 90 uma pesquisa no Google sobre small houses produzia umas centenas de resultados, hoje dá origem a cerca de mil milhões. Tornou-se moda construir a sua própria Pequena Casa, se não para viver, pelo menos como habitação de férias, ou extensão, no quintal, da casa principal. O movimento alargou-se a todo o país, e depois a outros. Mais de 100 estão representados na Small House Society. Nalgumas regiões do mundo, como o Japão, as Casas Pequenas já eram uma tradição antiga, e a sua arquitectura acabou por servir de inspiração nos EUA.

Em Portugal, algumas empresas estão a aproximar-se do conceito. Nas Caldas da Rainha, a MiniCasas Portugal vende caravanas, tendas e cabanas móveis, para férias ou residências. “Eu tenho ideias, que adapto às necessidades de cada cliente. São  casas feitas à medida”, diz João Neves, proprietário da empresa. Trabalha nisto há quatro anos, e sente que a procura está a crescer em Portugal. “Tem a ver com o consumismo, com as pessoas estarem fartas de ficar presas financeiramente, para comprarem casa. Há uma mudança nos modos de vida”.


A fantasia de Dan
Dan Grossman comprou os planos para a sua Pequena Casa numa empresa chamada Tumbleweed, Tiny House Company, baseada em Sebastopol, na Califórnia. A Tumbleweed foi criada por Jay Shafer, um dos fundadores da Small House Society, em 2002, e dedica-se, desde essa altura, ao fabrico de Pequenas Casas para os entusiastas do movimento. Pela própria natureza deste, porém, o negócio rapidamente se concentrou na comercialização dos planos das casas, que seriam assim construídas pelos próprios interessados. E também na realização de workshops, não só na Califórnia, mas por todo o país.

Dan, um jornalista de rádio e produtor de documentários especializado em ciência e alterações climáticas, de 55 anos, sempre gostou de trabalhos manuais. A ideia de construir a sua própria casa surgiu quando ajudou a filha num trabalho escolar que consistia em construir o modelo de uma casa. Pensou que seria divertido também construir uma. Admitiu até que talvez tivesse essa fantasia desde a infância.

Começou a imaginar o projecto. Nessa fase, passava horas a percorrer de carro o seu bairro de Watertown, perto de Boston, no Massachusetts, para estudar as casas de madeira típicas da região. Observava os pormenores de construção, as soluções para portas e janelas, os sistemas de isolamento, etc.

A mulher, Sarah, nunca viu com simpatia o desígnio que inviabilizaria o plano de criar um jardim no quintal. Mas só acreditou que era a sério quando começou a ver Dan sair de casa à noite para se encontrar com pessoas que lhe vendiam tábuas, vigas e janelas.

“Num dado momento, decidi: ‘Vou fazer isto'”, recorda Dan. “Vou precisar de componentes, que são muito caros. Paredes, janelas, o soalho, o telhado, muita madeira. Eu queria, por exemplo, boas janelas, com isolamento duplo, o que custaria entre 200 e 500 dólares. E a casa tinha 13 janelas”.

Como seria impossível gastar tanto dinheiro, Dan recorreu à Craig’s List, uma rede de anúncios gratuitos na Internet. Comprou tudo o que precisava, em segunda mão e muito barato. Adquiriu os planos de uma Pequena Casa que escolheu do catálogo da Tumbleweed, e meteu mãos à obra.

Criou uma oficina, na cave da sua casa, equipada com todos os instrumentos necessários – três serras eléctricas, rebarbadoras, tornos, brocas, aspirador com compressor. Equipamento com que poderia construir muitas pequenas casas, e até uma normal. Não o fazer torna desproporcional o preço de tudo isto. Mas o objectivo não é a rentabilização do capital instalado.

“Muitas das coisas que me têm sido úteis na vida aprendi-as fazendo, ou observando alguém fazer”, diz Dan. “As pessoas afastaram-se da ideia de construir com as suas próprias mãos, e acham que não conseguem. Nem tentam perceber os princípios que presidem à construção das coisas. São princípios muito simples. Por exemplo, nas pequenas casas. Nunca ninguém me ensinou como colocar telhas, nem nunca li nenhum livro sobre exteriores de casas. Mas há um princípio, que pode ser observado para onde quer que se olhe: a água corre para baixo. Sempre que encontra uma superfície plana, é preciso que escorra na direcção oposta à casa. Temos de assegurar-nos de que não haverá superfícies planas”.

Seguindo estas regras simples, qualquer um pode aprender a construir uma casa, diz Dan. “Não é nada de misterioso”. E devia fazê-lo. No seu caso, contou com a ajuda da irmã, na concepção, e de vários amigos para os trabalhos braçais. Organizou várias festas de fim-de-semana, cujo programa era ajudar na construção da Pequena Casa.

Mas, no fim, Dan pode dizer que 95 por cento do trabalho foi feito por ele próprio. “Há uma satisfação no facto de começarmos a pôr em prática uma ideia, e levar o projecto até ao fim. No facto de ter uma coisa que foi totalmente criada pelas nossas mãos e pensamento”.

A casa está quase pronta, no quintal, em frente à casa grande. Para que serve? Para já, para distracção dos dois filhos de Dan, de 15 e 17 anos. Passam lá os dias, dormem lá com os amigos. “Resolve o problema dos namorados”, admite Dan. Já não é preciso decidir se podem ou não ficar para dormir. A pequena casa tornou-se nessa zona de fronteira entre o permitido e o proibido. Os dois jovens adoram isso. Há dias, Dan descobriu que eles fumaram lá um charuto.

Um dia, em caso de necessidade, talvez a cabana venha a servir para arrendar a turistas. Ou talvez Dan a use como escritório. Nunca se sabe. Há muitas razões para se ter uma pequena casa. A verdadeira, porém, é do universo do instinto. Cada ser humano, numa altura da vida, sente vontade de construir uma casa para si.


Deek, guru do movimento
Deek Diedricksen sentiu-a cedo. Tinha 10 anos, vivia com os pais no Connecticut, e queria jogar jogos de vídeo à hora em que o pai gostava de ver televisão. A solução foi construir uma cabana no quintal, com a ajuda do irmão. Voltou-se para o pai e disse: “Agora tenho a minha própria casa”. Nunca mais parou. Construiu barcos, casas em árvores, casas sobre rodas.

Aos 21 anos poupou dinheiro e comprou um terreno no Vermont, onde construiu, também com o irmão, uma cabana de 27 m2, para férias. Mais tarde escreveu um livro sobre isso, criou um blogue. O seu cunhado, que trabalha com imagem, fez um vídeo sobre a casa, a que chamaram The Hickshaw. O vídeo foi colocado no blogue, o livro vendeu 3500 exemplares.

Entretanto, trabalhava na rádio, como técnico de som, e era baterista em várias bandas. Mas quando o movimento das Casas Pequenas disparou, o blogue tornou-se famoso. De repente, muitos milhares de pessoas viam e comentavam o vídeo, falando sobre as suas próprias pequenas casas. Em breve havia 9 mil visitas e 1200 posts sobre tiny houses, o livro subiu as vendas para 15 mil. A seguir, o New York Times publicou uma reportagem sobre o caso.

Tudo isto encorajou Deek a construir mais pequenas casas. Nunca deixou de desenhar projectos. Tem em casa centenas deles. Quando começa a construir, no entanto, altera sempre o plano inicial. Ou nem sequer tem nenhum: começa a partir de uma peça que encontra no lixo, lhe oferecem ou compra na Craigslist.

“Se encontro uma janela que é fantástica, posso basear toda a construção à volta desse primeiro elemento”, diz Deek. “Começo por um elemento e desenho tudo o resto em função dele. É um método um pouco estranho, mas funciona comigo”.

E assim vai construindo casotas bizarras no quintal da sua actual residência, em Stoughton, Massachusetts. Numa das que cá tem agora, a janela é feita com a porta de vidro de uma máquina de lavar roupa. Noutra, com um frasco de pickles. “Iluminado à noite, fica lindo. Com um ar oriental”, diz Deek, que tem 35 anos e quase dois metros de altura. Olhando para ele e para a casa do frasco de pickles, não se acredita que possa lá dormir. Mas consegue. Tudo foi pensado. Num dos lados da casa há uma extensão em madeira concebida para que Deek possa lá enfiar as pernas, quando deitado.

São, portanto, exemplares feitos à medida do criador, que, no entanto, não resiste a fotografá-los e filmá-los, para os exibir no blogue. Resultado: de todo o país surge gente interessada em comprar as casas. E Deek vai vendendo, quase ao preço de custo. Quem quiser comprar a casa do frasco leva-a por 400 dólares. Pronta a habitar.

Outros querem apenas aprender a fabricar uma pequena casa, e Deek ensina. A empresa Tumbleweed, entretanto transformada num império, não ficou indiferente, e contratou Deek para fazer workshops pelos vários estados.

Como são eventos divertidos, Deek decidiu organizar mais uns tantos, por conta própria. Reúne umas dezenas de “alunos”, na sua propriedade do Vermont, ou neste quintal, e ensina-os a construir casas durante um fim-de-semana, em que todos acampam, ou dormem em caravanas, acendem fogueiras, como numa comunidade hippie.

“Construímos colectivamente uma estrutura. É um esforço de grupo. As pessoas usam martelos e serrotes, ganham experiência. Ensino-lhes as coisas básicas, que aprendi com a minha experiência, trago alguns oradores convidados, que geralmente ficam a falar pela noite dentro. Os workshops são uma oportunidade de trocar ideias”.

Através do blogue, que hoje se chama Relaxshaks.com e tem milhões de visitas, Deek tornou-se numa referência obrigatória do movimento das Pequenas Casas. As pessoas contactam-no para aconselhamento, para adquirirem as casas ou para que vá à sua propriedade construir uma.

“A grande vantagem de uma casa pequena é que, para a construir, não é preciso trazer um bulldozer para cortar 500 árvores. A maioria das casas que construo cabem entre as árvores, não é preciso derrubar nenhuma”.

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