A escravatura moderna é um crime global

Apenas partilhando conhecimentos e experiências conseguiremos levar a tribunal os traficantes de escravos, proteger as suas vítimas e restituir-lhes a humanidade que merecem.

No fim-de-semana passado em Londres, Portugal esteve entre os 33 países que participaram na Conferência Internacional do Grupo de Santa Marta – um fórum único que trabalha para erradicar a escravatura moderna em todo o mundo.

Escravatura.  Esta é muitas vezes uma palavra que evoca imagens de tempos passados, dos milhões de pessoas que foram um dia acorrentadas, despojadas da sua dignidade e tratadas como se não fossem seres humanos.  Gostamos de pensar que isto já não existe hoje em dia na nossa sociedade.  Mas, na verdade, se olharmos com atenção à nossa volta, estamos rodeados de escravatura. Nos nossos campos, nos nossos barcos de pesca, nas nossas fábricas e nos nossos lares, há pessoas presas a uma vida de sofrimento inimaginável.

Uns são vendidos ou traídos por entes queridos, outros enganados ou atraídos por criminosos com promessas de uma vida melhor. Despojadas da sua liberdade, exploradas com fins lucrativos, as vítimas são frequentemente sujeitas a violência, fome, violações e abusos. Os danos emocionais, psicológicos e físicos são incalculáveis.

De acordo com a Fundação Walk Free, em 2014 havia 35,8 milhões de escravos em todo o mundo.  É um número que, enquanto sociedade, não podemos ignorar. E por isso criámos o Grupo de Santa Marta, uma aliança de directores de forças policiais internacionais e bispos de todo o mundo, que trabalham em conjunto com a sociedade civil para pôr cobro à escravatura humana.

As instituições que representamos têm um papel a desempenhar. O Governo britânico apresentou no Parlamento um projecto de lei sobre escravatura moderna pioneiro na Europa que vai permitir que as autoridades possam efectivamente processar e punir de forma adequada os autores destes crimes, aumentando a pena máxima de prisão de 14 anos para prisão perpétua e incluindo importantes medidas de protecção e apoio às vítimas.

Através desta legislação o Reino Unido torna-se no primeiro país do mundo a estabelecer requisitos que obrigam as empresas a divulgar quais as medidas que tomaram para assegurar que não existe escravatura nas suas cadeias de fornecimento global.

Acresce que foi criado também um novo cargo que será o primeiro comissário independente no Reino Unido para o combate contra a escravatura; e que será ocupado por Kevin Hyland, ex-chefe da Unidade de Tráfico Humano da Polícia Metropolitana de Londres. Paralelamente, o Governo lançou a Estratégia contra a Escravidão Moderna, que reflecte o compromisso de trabalhar com outros governos, agências e organizações da sociedade civil em todo o mundo.

Se queremos verdadeiramente acabar com a escravatura moderna, as polícias de todo o mundo têm um papel fundamental a desempenhar. No Reino Unido, as forças policiais estão empenhadas em assegurar que os seus agentes têm os conhecimentos de que precisam para melhor compreender este crime muitas vezes complicado. Para este efeito, todos os novos agentes da Polícia Metropolitana recebem formação obrigatória sobre tráfico de seres humanos. Isto significa que no final de 2015 cerca de 5000 agentes estarão em condições não só detectar vítimas deste crime, mas terão também plena consciência dos problemas que enfrentam.

Para além disto, a sua Unidade de Tráfico e Raptos criou seis equipas de investigação conjunta que trabalham em estreita colaboração com colegas de outras forças policiais estrangeiras, ultrapassando a barreira das fronteiras nacionais e não deixando espaço para os criminosos se esconderem em parte alguma. 

O Santo Padre Papa Francisco deu o seu apoio à iniciativa na sua primeira conferência no Vaticano em Abril deste ano. Em Londres, a Igreja Católica criou a Casa Bakhita, um centro que vai proporcionar cuidados e reabilitação para mulheres vítimas de escravatura moderna; e a Universidade de St. Mary ali perto servirá como um centro internacional especializado em pesquisa aplicada sobre prevenção do tráfico, cuidado pastoral e reinserção das vítimas. A universidade também irá ajudar a dar educação e emprego a vítimas, caso se justifique. Além de proporcionar orientação e apoio, a Casa Bakhita representa quatro valores fundamentais: amor, respeito, comunidade e espiritualidade. Estes são valores que a maioria de nós encontra na sua vida quotidiana: na família, nos amigos e, mais importante, na nossa liberdade. Mas são valores negados a todos aqueles que estão presos em casas de prostituição, no trabalho nos campos ou nas fábricas.

Na conferência de Santa Marta do passado fim-de-semana, aproveitámos a oportunidade para desenvolver novas parcerias que unam os esforços de governos, forças da autoridade, a Igreja e a sociedade civil, no sentido de apoiar as vítimas e pôr um fim a este crime. A escravatura moderna é um crime global, uma vez que os traficantes e as vítimas atravessam muitas vezes fronteiras, países e continentes. A colaboração internacional é, portanto, crucial para acabar com este flagelo.

Estamos orgulhosos por ter organizado este evento (o primeiro  do género em todo o mundo) e muito satisfeitos por ter contado com Portugal entre os participantes. Vamos continuar a trabalhar em estreita colaboração com Portugal nesta matéria e congratulamo-nos com o lançamento este ano do III Plano Nacional de Combate ao Tráfico de Seres Humanos.

Porque apenas partilhando conhecimentos e experiências conseguiremos levar a tribunal os traficantes de escravos, proteger as vítimas da escravatura e restituir-lhes a humanidade que merecem.

 

Theresa May, ministra britânica da Administração Interna

Vincent Nichols, cardeal, arcebispo de Westminster

Sir Bernard Hogan-Howe, director da Polícia Metropolitana de Londres

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