A desgraça da nossa justiça criminal

Nos EUA a violência e o racismo estão omnipresentes.

O título deste artigo não é meu. Vem escrito em inglês – The Disgrace of Our Criminal Justice – e é o título de um artigo do professor de Direito David Cole publicado na New York Review of Books de 4 de Dezembro. Nesse artigo, Cole faz a recensão de três livros recém-publicados nos EUA e que dão um retrato contundente da violência do sistema judicial norte-americano.

O Livro Just Mercy: A Story of Justice and Redemption foi escrito por Bryan Stevenson, um advogado afro-americano que fundou a  Equal Justice Initiative, uma organização não lucrativa no Alabama que se dedica a defender os condenados à morte sem advogado que os representem e conta a história de Walter McMillian, um cidadão negro norte-americano acusado e injustamente condenado à morte, em 1986, pelo homicídio de uma jovem cidadã branca. Nas palavras de David Cole, o livro mostra a extensão da brutalidade, da injustiça e dos preconceitos raciais que continuam a infectar a lei penal nos EUA. 

Graças a Stevenson, Walter McMillian vê o seu julgamento anulado, conseguindo provar que a prova produzida em audiência era falsa, sendo os testemunhos obtidos através de coacção do xerife e do ministério público que pretendiam resolver,  a qualquer custo, um homicídio que estava a ter muito impacto na comunidade local.

Os outros dois livros, The Growth of Incarceration in the United States: Exploring Causes and Consequences e Mass Incarceration on Trial: A Remarkable Court Decision and the Future of Prisons in America debruçam-se sobre a sinistra realidade carcerária norte-americana. Embora a Wikipédia não seja a fonte mais  fiável, transcrevo: “Em Outubro de 2013 a taxa de incarceração dos EUA era a mais alta do mundo, com 716 pessoas na prisão por cada 100.000 habitantes. Enquanto a população dos EUA representa cerca de 5% da população mundial, acolhe 25% dos prisioneiros mundiais”...

O estudo “Growth of Incarceration..." é um relatório elaborado por um comité de professores de  Direito Criminal de reconhecido mérito e que conclui que não é provável que penas mais longas tenham um efeito disuassor em termos criminais, sendo mais eficaz , em termos preventivos, a certeza da punição do que a extensão  das penas. Mais conclui que, tendo em conta que a prática de crimes diminui drasticamente com a idade, manter pessoas mais velhas nas prisões não tem, também, efeitos muito úteis. Recomenda, assim, este comité a redução das sentenças criminais e a utilização de meios alternativos à privação da liberdade. Por último, o livro Mass Incarceration on Trial, no entender do professor David Cole, é um livro excessivamente optimista por defender que o facto de o Supremo Tribunal  em 2011, no caso Brown v. Plata ter considerado inconstitucional a sobrepopulação das prisões na Califórnia (ocupadas com 200% da lotação prevista), iria obrigar a um radical “esvaziamento” das prisões, o que não sucedeu.

A justiça norte-americana tem, de resto, sido ultimamente objecto de atenção mundial, pelas mortes de cidadãos negros às mãos da policia e que revelam bem o grau de violência absurda a que se  chega com facilidade – ou em que se vive – nos EUA. O racismo na aplicação da lei e na actuação  das polícias é uma realidade nos EUA que ultrapassa ou se sobrepõe à sempre presente diferença de tratamento judicial de ricos e pobres. No passado dia 22 de Novembro, em Cleveland, Tamir Rice, um jovem negro de 12 anos, foi morto pela polícia quando estava a brincar num parque com uma pistola de brinquedo e, quando a sua irmã de 14 anos  correu para ele, depois de ter sido alvejado, um dos polícias agarrou-a, colocou-lhe algemas e sentou-a no banco de trás de uma carro da polícia.

No passado dia 3, a decisão de um grande júri de não acusar o agente policial branco Daniel Pantaleo pela sua actuação na morte do cidadão negro Eric Gardner que, no dia 17 de  Julho,  morreu sufocado ao ser detido e após se queixar diversas vezes que não conseguia respirar (cfr. http://www.theguardian.com/us-news/video/2014/dec/04/i-cant-breathe-eric-garner-chokehold-death-video), foi mais uma gota de água num copo que já está a transbordar há muito.

Tanto o Presidente Obama como o procurador-geral Eric Holder, na sequência desta decisão do grande júri de StatenIsland, se  viram obrigados a declarar publicamente que a nível federal e em termos de violação de direitos civis, a situação ia ser investigada e que iriam ser feitos esforços no sentido de restaurar a confiança entre os agentes policiais e as diversas comunidades onde se inserem.  

A presença de Obama na presidência dos EUA não mudou, por si só, a realidade. Depois das batalhas de Martin Luther King nos anos 60 do século passado e em reacção a estas sucessivas e fatais discriminações, parece já estar em curso uma segunda vaga da luta pelos direitos civis dos cidadãos negros nos EUA.

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