A arma atómica do Syriza contra os interesses instalados é o apoio do povo

Panagiotis Karkatsoulis, que em 2012 foi considerado o melhor funcionário público do mundo pela Sociedade Americana de Administração Pública, avalia as medidas do novo Governo grego numa entrevista ao PÚBLICO, por Skype.

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“Estes quatro meses são só uma pausa para respirar enquanto se prepara um plano”, diz Panagiotis Karkatsoulis ATHINA KAZOLEA

Panagiotis Karkatsoulis, director do Instituto de Reforma Administrativa e deputado do partido O Rio (To Potami), definido como pró-europeu, acha que o não pagamento de impostos na Grécia é político e não cultural e que nada é impossível. O Syriza tem uma tarefa monumental nos próximos quatro meses mas também uma “arma atómica” – um enorme apoio do povo.

O que achou do plano de reformas apresentado pelo ministro das Finanças?
Estas reformas são absolutamente necessárias e já deviam ter sido feitas. A grande maioria das coisas já está nos últimos memorandos (os dois acordos e as cinco revisões). Há questões pendentes há anos, coisas como o registo de propriedade, corrupção, etc. Se as mesmas questões aparecem em sete documentos, isto leva-me a perguntar (e já vamos à parte grega): que papel tem a comissão e a troika? Digo isto porque se há medidas que aparecem uma vez e outra e outra, isto significa que não há resultados. E continua-se com a mesma receita, o que indica um problema de estratégia ao mais alto nível. A minha sensação ao olhar para os memorandos é que se separa as reformas das questões fiscais – impostos, cortes de pensões, o pacote de austeridade. A austeridade resulta, com consequências sociais tremendas, mas resulta. E a parte das reformas é só para falar. Discutimos e no final de tudo alguém vai dizer: não chega, vamos voltar à receita que sabemos: cortem mais salários, despeçam mais funcionários públicos.

Como é possível fazer com que resultem?
A questão é como podemos promover reformas sustentáveis. Precisamos delas, mas não há nenhum apoio de confiança sobre como as podemos fazer. A Comissão Europeia – que é o maior parceiro – não tem experiência ou capacidade para dar apoio neste campo. O BCE (Banco Central Europeu) tem conhecimento limitado ao que pode fazer aos bancos, e o FMI (Fundo Monetário Internacional) não está aqui para isto – uma vez tive uma conversa com um deles e perguntei porque não nos ajudavam com as reformas. Ele respondeu que não estavam aqui para isso, apenas para apagar o fogo.

O que falta na lista de reformas do novo Governo?
Penso que a falha principal é não haver hierarquização. O que tem de ser feito em força e logo. Porque não é possível fazer isto tudo ao mesmo tempo. E falta abertura, transparência e responsabilização.

Falou dos problemas da parte da troika nas reformas. E da parte grega?
O Governo anterior estava tão ligado ao clientelismo, os interesses estavam tão dentro do Governo que não havia hipótese de promover este tipo de reformas. O novo Governo, pelo menos a este nível, não parece estar comprometido por estes interesses.

Mas pode sofrer outras pressões?
O Governo anterior decidiu as eleições antecipadas para estas datas para bloquear o Syriza e não o deixar manobrar. [No plano interno], no encontro do grupo parlamentar do Syriza, houve reacções contra este plano [da ala mais radical], mas ainda minimais. Penso que o Governo deve continuar nesta direcção e o nosso partido [To Potami] ajudará, todos os partidos pró-europeus vão nesta linha, de os ajudarmos a ir nesta nova direcção.

Como vão aprovar as novas reformas?
Ainda não é claro, mas há várias opções. A hipótese de um decreto, que pode ser feito em circunstâncias excepcionais, parece estar afastada. Outra seria a aprovação parlamentar normal – que criaria muitos problemas. A última coisa é simplesmente as medidas não serem levadas ao Parlamento – como é uma continuação dos memorandos anteriores não tem de ser aprovada. Penso que é o mais provável. Toda a gente percebe que estes quatros meses são só uma pausa para respirar enquanto se prepara um plano. Até Junho o Governo estará sob uma pressão enorme, todas estas medidas têm de ser especificadas nos próximos três ou quatro meses. Os problemas maiores virão a seguir.

A União Europeia pressiona para resultados. Mas quão depressa é possível fazer estas reformas?
Mostrem-me um país no mundo que tenha feito isto! Até agora trabalhei com mais de vinte Governos em todo o planeta. Não conheço nem um caso em que um Governo democrático tenha conseguido fazer algo semelhante a isto. Com um mínimo de paz social não é possível. Algumas podem ser feitas, mas a grande maioria vai levar tempo.

Pensa que esse tempo pode ser conseguido se for visto algum progresso nestas reformas que podem ser mais rápidas?
Penso que sim. Concordo com o principal argumento do Syriza, de que as medidas foram exageradas: a Grécia perdeu 25% do seu PIB, é um desastre. Lembro-me de Tony Blair dizer, numa entrevista ao Financial Times, que se isso acontecesse na Grã-Bretanha falaríamos de uma revolução. Aqui não há uma revolução, mas se não tivermos cuidado, a revolução não vai ser vermelha, vai ser negra. A terceira força no Parlamento é a Aurora Dourada. Não é um partido “tipo” nazi, ou nacionalista. É um partido nazi! Há coisas muito estranhas a acontecer, como esta aliança entre populismo de esquerda e de direita [a coligação no Governo entre o Syriza e os Gregos Independentes].

Para além de tudo isto há outros obstáculos, mais práticos. Como por exemplo fazer os armadores pagar impostos. Como resolver isto?
Há reformas mais fáceis do que outras. O contrabando de tabaco, combustíveis, é difícil porque tem a ver com redes criminosas, mas é possível. Os armadores não sei. São muito mais bem organizados do que o Governo e correm mais depressa. Mas nada é impossível. O Syriza tem uma grande vantagem e deveria preservá-la: há uma grande maioria que gostaria de ver o Governo ter sucesso. Há uma situação muito instável, mas penso que os envolvidos – europeus e não europeus, partidos políticos e sociedade civil – devem empurrar para a direcção certa, esta direcção pró-europeia. Ninguém quer sair do euro, as pessoas percebem que isso seria o fim de tudo.

Outro ponto forte das reformas são os impostos. Quão alargado é o problema da evasão fiscal na Grécia?
Infelizmente neste caso é fácil dizer que os gregos não pagam impostos, é uma explicação fácil para um problema complicado. Mas 80% dos gregos pagaram impostos no ano passado. Nestes 20% que não pagaram, toda a gente sabe que há interesses. Há uma questão política que nada tem a ver com a cultura do povo. As pessoas normais pagam – embora cheguem a um ponto em que com a redução dramática dos rendimentos há pessoas que não conseguem pagar. Mas o principal problema é dos que podem pagar e não pagam. Um dos maiores escândalos dos Governos anteriores foi que não quiseram pressionar quem podia pagar. Penso que é por isso que perderam o poder. Toda a gente sabe quem são – estão nos sectores do petróleo, contrabando, futebol, media… Os mesmos dois partidos que governam há mais de 40 anos construíram isto.

O que espera que aconteça?
Não sei quão longe consegue ir o novo Governo, porque esta questão é realmente explosiva. O Syriza anunciou que uma das primeiras leis vai ser sobre media. Vai ser um teste. As televisões usam as frequências sem pagar – isto é crime, é um comportamento criminoso. Mas é assim há anos. Se os pressionam, ficam fora dos media.

Por isso é que a Igreja não está a denunciar o Governo nem o acordo (não é mencionada nas reformas), mas os media sim?
Sim, é isso. Os interesses comandam. Contra isto o Syriza pode usar a sua enorme vantagem – este apoio popular é uma arma atómica.

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