O sentido das proporções

A esquerda (com excepção do PS) ficou entusiasmada com a chamada “vitória” do Syriza; e a direita ficou deprimida e furiosa. Sem me querer meter nessa querela frívola, acho apropriado tentar descrever as coisas como elas são. O Syriza ganhou a eleição com 36 por cento dos votos; só chegou à maioria por causa das peculiaridades do regime grego (que dá um bónus de 50 deputados ao partido mais votado) e da coligação que fez com um partido pouco recomendável da extrema-direita. É difícil aceitar sem mais que o Syriza representa legitimamente o povo grego, como por aí se diz com grande convicção e arrogância. Na realidade, o Syriza representa um terço do eleitorado grego; e ou consegue alargar as forças que o sustentam ou tenderá para uma espécie qualquer de autoritarismo.

A retórica patriótica do primeiro-ministro Tsipras também não me inspira grande simpatia. Os patriotas às vezes degeneram em nacionalistas. E a conversa sobre a “humilhação” da Grécia e a intenção (em princípio, estimável) de restaurar a sua dignidade e o seu orgulho não é tranquilizadora. Com conversas destas se cometeram os maiores crimes da história recente da Europa. Pior ainda, o carácter de outsider que o Syriza reclama não me parece uma virtude. Um outsider rejeita, por definição, tudo o que antes dele existia – o bom e o mau – e não costuma medir o risco da mudança. Não vale a pena dar exemplos de outsiders que arrasaram um mundo, o deles, com certeza, e a seguir o nosso. E, desculpe a esquerda, as cenas de informalidade, além de ridículas, são um mau sinal, um sinal de agressividade gratuita.

Uma escola de pensamento louva o Syriza por ter dado um “abanão” na “Europa”. Seria bom neste capítulo não esquecer que a “Europa” não se abana tão facilmente e que o Syriza é em si próprio insignificante. Reconheço que um pequeno incidente pode provocar uma enorme catástrofe; basta pensar no arquiduque assassinado em Sarajevo. Mas, tirando uma parte da esquerda, por frustração e principalmente por cautela, não se vê na “Europa”  uma súbita ternura pelo sr. Tsipras e nenhuma inclinação para o ajudar. A política deflacionista da Alemanha e de meia dúzia de países do norte já estava em crise antes do Syriza aparecer em cena e continuará com ou sem ele. Claro que nada impede a Grécia de se tornar num incómodo para a burocracia de Bruxelas: num incómodo, não numa força decisiva. É bom não perder o sentido das proporções.

   

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