Um cristão devoto na Casa Branca

A primeira coisa que George W. Bush faz depois de acordar e a última antes de ir dormir é rezar. A sua Casa Branca tem mais grupos de estudo da Bíblia que qualquer outra em tempos recentes. Muitas das suas iniciativas políticas (a instituição de um "dia nacional da oração, o bloqueio de iniciativas da ONU que incluem o aborto como opção de planeamento familiar) parecem ter inspiração religiosa. O discurso do actual Presidente dos EUA está recheado de termos com um sabor bíblico (Saddam Hussein é um "homem malvado", membro do "eixo do mal"), a sua visão do mundo parece baseada numa moral rígida de "bons e maus".George W. Bush é, sem dúvida, um cristão devoto. Até que ponto é que as acções do Presidente dos Estados Unidos são influenciadas pela sua fé? O "Financial Times" fez directamente esta pergunta, e a Casa Branca respondeu que as crença religiosas de Bush são "uma questão pessoal", e que o Presidente "só pensa nos interesses da nação" ao tomar as suas decisões.No entanto, se o cristianismo de Bush é uma parte tão importante das suas crenças, será legítimo pensar que a religião é um factor importante na definição das suas políticas? E até que ponto é que Bush é devoto?É certo que na Administração de Bush se lê mais a Bíblia do que em outras, mas sempre houve um grupo de estudo da Bíblia na Casa Branca. O Presidente Jimmy Carter, aliás, dava aulas de catequese nas suas horas vagas.De resto, os políticos americanos, tanto de direita como de esquerda, geralmente ostentam a sua religião com mais zelo que os seus pares europeus. Nisso, aliás, reflectem o seu povo. Mais de 85 por cento dos americanos descrevem-se como pessoas religiosas. Quase metade diz ir à igreja pelo menos uma vez por semana. A maioria dos americanos pertence a igrejas protestantes, que dão mais ênfase ao estudo da Bíblia que a fé católica.Mas há nos EUA quem não goste de misturar a fé com a política. Dan Barker é porta-voz da Freedom From Religion Foundation, uma organização que pugna pela separação entre Estado e igreja. Barker disse ao PÚBLICO que "Bush é perigoso" porque "assume que todos os grupos religiosos são bons, que a religião é boa por si só"."Não sei quão fortes são as suas crenças, mas ele é o que nós descreveríamos como parte da direita cristã. As pessoas como ele tendem a ver o mundo em termos de preto e branco. A sua atitude para com [os conflitos no Médio Oriente] parece inspirada nessa visão."Barker critica também iniciativas de Bush como o apoio financeiro estatal a organizações religiosas ou as suas posições em defesa da abstinência como única forma aceitável de contracepção. "Receio que estejamos a afastar-nos de um estado secular a caminho de uma teocracia", acrescenta.Algumas das medidas de Bush podem no entanto ser vistas não como uma expressão das suas crenças pessoais mas como forma de apaziguar um dos seus eleitorados de base - a tal "direita cristã", muito forte em vários estados conservadores, fulcral para a campanha presidencial de Bush em 2000.A maior organização da "direita cristã" é a Christian Coalition, cujo porta-voz Ron Torossian descreveu Bush como "um bom homem cristão, um bom amigo, um grande Presidente". Torossian afirma que a sua organização acredita que "a religião é uma coisa muito importante neste país, e não se pode separar Deus de nada".Torossian prefere não responder à pergunta sobre como é que as crenças religiosas de Bush influenciam a sua política externa, mas diz mesmo assim: "Como cristãos americanos, acreditamos que os inimigos de Israel e da América são os mesmos, e manifestamos a nossa solidariedade para com Israel."Bill Kristol, editor do semanário "Weekly Standard" e um dos mais importantes comentadores conservadores dos EUA, tem uma opinião diferente. "Bush tem uma visão muito moral do mundo. Os seus críticos poderiam descrevê-la como moralista. Do ponto de vista europeu, certamente que parece moralista.""Mas não é preciso ser religioso para falar do bem e do mal", disse Kristol ao PÚBLICO. "Além disso, há uma diferença substancial entre as visões europeia e americana da religião. A Europa tem uma sociedade pós-religiosa. Nós não. Quase todos os nossos políticos se dizem religiosos, não são só os republicanos; democratas como Al Gore ou Joseph Lieberman também são homens devotos."Kristol acrescenta não achar que Bush seja particularmente fervoroso ou extremista. "Penso que ele é um protestante evangélico moderado, como a maioria dos americanos." E o resto da sua Administração? Os críticos gostam de apontar para o conservadorismo acentuado de John Ashcroft, o "attorney general" (semelhante a ministro da Justiça).Ashcroft é um republicano do Missouri ferozmente anti-aborto, que não esconde as suas crenças religiosas extremistas. No Verão, Ashcroft foi alvo de chacota por gastar oito mil dólares em cortinas para tapar uma estátua na sala de conferências de imprensa do seu Departamento de Justiça. O motivo? A estátua, uma representação da Justiça, era uma mulher de peitos ao léu. Mas Ashcroft é uma excepção no governo de Bush, opina Kristol. "Dick Cheney [vice-presidente] não é um homem particularmente religioso. Donald Rumsfeld [secretário da Defesa] também não, nem Colin Powell [secretário de Estado]. A Administração de Bush é uma mistura, tem pessoas muito religiosas e outras que não. No fundo, tal como a América."

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