O primeiro-ministro que não fez nada para travar a ruína islandesa será um criminoso?

Quando os três bancos que eram maiores do que a economia da Islândia faliram, o chefe do Governo foi-se embora, para tratar da saúde. A nova maioria quer ajustar contas com ele

Na Islândia, a culpa não morre solteira: o ex-primeiro-ministro Geir Haarde, que estava no poder em 2008, quando o sistema bancário do país entrou em colapso, compareceu ontem pela primeira vez num tribunal especial, o Landsdómur, onde deverá ser julgado por negligência.

Haarde, de 60 anos, demitiu-se quando a crise se declarou, alegando que precisava de se tratar do cancro do esófago. Agora, este político conservador, do Partido da Independência, a formação que governava há décadas a Islândia, contesta o caso apresentado contra si por um grupo de deputados. A decisão, extremamente invulgar, de processar um ex-governante foi tomada por um Parlamento dividido (33-30), numa votação que deixou os deputados a gritar uns com os outros.

O grande pecado de Haarde foi a omissão, disse o deputado Atli Gislason, líder da comissão que preparou o caso. "O que fez de errado foi não ter feito nada", disse ao New York Times, enquanto os três maiores bancos da Islândia, que se tornaram muitas vezes maiores do que a própria economia do país, se afundaram, revelando-se gigantes com pés de barro.

A acusação formal contra o ex-primeiro-ministro fala em "violações cometidas a partir de Fevereiro de 2008 e até ao início de Outubro desse ano, intencionalmente ou por negligência grosseira, na sua maioria violações contra as leis de responsabilidade ministerial".

Haarde contesta a acusação e ontem o seu advogado, Andri Arnason, solicitou que o tribunal seja encerrado, argumentando que o caso não foi investigado de forma adequada, as acusações não são claramente formuladas e falta delinear quais os crimes que terá cometido. Considerou-o "uma farsa", um "processo político", em que a nova maioria de governo (social-democratas e verdes) julga a antiga.

O tribunal tem agora quatro semanas para apreciar estes argumentos e decidir se o caso irá em frente ou não. O ex-governante arrisca-se a uma pena de três anos de cadeia, se o julgamento avançar e for considerado culpado.

O réu errado?

Mas há quem questione se é justo que seja Haarde a estar no banco dos réus - que seja só ele, ou que seja ele e não outro. Se há que atribuir culpas pelo descalabro do sistema financeiro islandês a alguém, uma melhor alternativa seria David Odsson, figura tutelar do sistema político e financeiro do país há mais de duas décadas.

Odsson foi primeiro-ministro entre 1991 e 2004, e também presidente do banco central entre 2005 e 2009. Presidiu à transformação radical da pequena nação de cerca de 320 mil pessoas, cuja economia se fundamentava nas pescas. Inspirado pelas políticas de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, privatizou os três maiores bancos, deixou a krona islandesa flutuar ao sabor dos mercados e fez nascer uma era de ouro de empreendedorismo - o tempo de prosperidade e dos comportamentos de risco que deram origem à queda dos bancos e da economia islandesa. Ora Odsson é um amigo e mentor de Haarde. Quando deixou a política e o banco central, Odsson tornou-se director do Morgunbladid, um dos maiores jornais islandeses, voz das ideias do Partido da Independência. Para muitos islandeses, ele é que devia ser julgado.

"Ele é o rei, e nós estamos a tentar enforcar o príncipe", comentou Eirikur Bergmann, director do Centro de Estudos Europeus da Universidade de Bifrost, na Islândia, ao New York Times. "É por isso que muitas pessoas se sentem mal com este processo. É a pessoa errada que está no tribunal."

Sugerir correcção