O ex-primeiro-ministro islandês teve culpas na crise ou está inocente?

Antigo chefe de Estado é o único líder político do mundo a ser acusado em tribunal no âmbito da crise. A Islândia está ainda a julgar os banqueiros, esperando-se processos contra até 90 pessoas

Geir Haarde, antigo chefe do Governo da Islândia e primeiro líder político a enfrentar um processo sobre a crise, saberá hoje se é culpado ou inocente num processo cujo ponto fulcral é saber se fez tudo o que estava em seu poder para evitar o descalabro económico que se seguiu ao colapso dos bancos do país, com um declínio de 10% no PIB, o desemprego a aumentar sete vezes, e a coroa em queda livre. Se for considerado culpado, enfrenta até dois anos de prisão.

O veredicto do Landsdomur, um tribunal especial fundado em 1905 para julgar ministros do Governo, é hoje esperado, confirmou no fim-de-semana o gabinete da actual primeira-ministra, Joahanna Sigurdardottir. Este é o primeiro caso julgado pelo tribunal desde a sua criação, e o Landsdomur abriu um site com os depoimentos de Haarde e os argumentos do advogado de defesa e do procurador.

Haarde defendeu-se dizendo que nem ele nem os reguladores financeiros sabiam o estado real das contas dos bancos do país. "Os banqueiros não se aperceberam de que a situação era tão má. Só depois do crash é que toda a gente se apercebeu."

Em tribunal, Haarde enfrenta quatro acusações: não ter assegurado o sucesso de um grupo de consulta sobre a estabilidade financeira (uma comissão que tinha feito recomendações para fortalecer a economia em 2006), não ter tomado a iniciativa de reduzir a dimensão do sistema bancário, não ter supervisionado as transferências de conta-poupança de um ramo da subsidiária britânica do banco nacional islandês para uma sucursal, e ter negligenciado a ameaça latente ao sistema financeiro nas reuniões do Governo, segundo o site Iceland Review.

"Rejeito todas as acusações e acredito que não há base para elas", disse o antigo primeiro-ministro. As recomendações da comissão que o seu Governo ignorou não poderiam ter impedido a falência dos bancos, argumentou Haarde. O antigo chefe de Governo disse ainda que a dimensão dos bancos (os três maiores tinham chegado a mais de 7 vezes o PIB nacional) não teria sido um problema se não fosse a sua má gestão e a crise mundial que afectou outros bancos nos Estados Unidos e Europa.

Para muitos, o antigo primeiro-ministro simboliza o desastre que se seguiu após o crescimento desmesurado, e sem base real, da economia da Islândia, com a desregulamentação extrema a permitir que as empresas especulassem nos mercados financeiros, até que a "bolha" estourou na sequência da crise do subprime nos Estados Unidos.

O público quer justiça

No entanto, apesar de ser, para já, o único político a ser acusado no âmbito da crise, não está sozinho no banco dos réus. Um procurador especial disse recentemente que poderia acusar até 90 pessoas como resultado de investigações que ainda decorrem, sendo que vários responsáveis, incluindo antigos directores-gerais dos três maiores bancos, enfrentam já processos criminais, segundo o canal de informação económica Bloomberg.

Larus Welding, antigo presidente do Conselho de Administração do Glitnir Bank, que já foi o maior da Islândia, foi acusado em Dezembro por conceder empréstimos ilegais. O antigo presidente do Conselho de Administração do Banco da Islândia, Sigurjon Arnason, foi detido em Janeiro e aguarda o final da investigação. Outros executivos dos bancos são acusados de manipulação dos mercados durante cerca de cinco anos antes do colapso do sistema financeiro. "O público tem pedido justiça, e penso que será um alívio vermos os tribunais lidarem com estes casos", disse o procurador do gabinete do Ministério Público encarregado destes casos, Olafur Hauksson. "É um passo importante para o país."

O processo, diz o Financial Times, desapontou os que esperavam revelações substanciais de ilegalidades, e alguns deputados criticaram na altura uma espécie de justiça dos vencedores do Governo actual (a acusação foi aprovada pelo parlamento por 33 votos a favor e 30 contra). Mas nas ruas de Reiquejavique, havia alguma satisfação por ver um político no banco dos réus. "Detesto os políticos apenas ligeiramente menos do que detesto os banqueiros", dizia um islandês ao Financial Times.

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