Negacionista David Irving condenado a três anos de prisão

O "historiador" retractou-se. Mas o seu julgamento já começou a levantar polémica sobre a liberdade de expressão

O historiador negacionista britânico David Irving foi ontem condenado por um tribunal de Viena a uma pena de três anos de prisão e a pesada multa por "reactivação da política nazi" e negação das câmaras de gás nos campos de extermínio. Durante o julgamento reconheceu-se culpado, dizendo ter errado: "Milhões de judeus foram mortos."Incorria numa pena até dez anos de prisão.O motivo do julgamento foram uma entrevista e dois discursos feitos em território austríaco, em 1989, um dos países com mais dura legislação contra a apologia do nazismo e a negação dos seus crimes. Afirmou então que as câmaras de gás "mostradas aos turistas em Auschwitz" eram "fictícias (...) e foram construídas pelos polacos no pós-guerra".
Irving, 67 anos, historiador amador, é um neonazi exibicionista, que se definia como "fascista moderado" e ganhou celebridade e dinheiro através de uma provocatória defesa das teses negacionistas. Tornou-se um ídolo dos neonazis alemães e da extrema-direita austríaca. Foi condenado várias vezes na Grã-Bretanha, uma delas por ter negado a autoria nazi da Noite de Cristal (Berlim, 1938), e na Alemanha. Foi detido casualmente na Estíria, Áustria, há três meses, quando se dirigia para uma reunião de extrema-direita.
No seu livro Hitler"s War (A Guerra de Hitler), de 1977, tentou ilibar o Führer de responsabilidade no extermínio do judeus. Em 1994, qualificou Hitler como "o maior amigo dos judeus, pois sem Hitler Israel não existiria".
Em 2000, processou uma historiadora americana, Deborah Lipstadt, que o acusara de ser "um dos mais perigosos e proeminentes negacionistas". O tribunal londrino sentenciou que Irving era "um activo negacionista, (...) anti-semita e racista".

Mea culpaNo tribunal, optou por fazer um mea culpa. Reconheceu ter negado as câmaras de gás, mas resistiu à pressão do procurador para admitir o delito (mais grave) de "negação do Holocausto".
"Cometi um erro ao dizer que não havia câmaras de gás em Auschwitz. Milhões de judeus foram mortos, não há dúvida. Mas não sei os números. Não sou um especialista do Holocausto." Disse ser "ridículo" estar a ser julgado por declarações feitas há 17 anos. Quando mudou de opinião? Quando leu os papéis de Adolf Eichmann, em 1991. "Não sou um negacionista do Holocausto. (...) Os meus pontos de vista mudaram. A história é uma árvore em constante crescimento: quanto mais se lê, mais documentos estão disponíveis, mais se aprende e aprendi muito desde 1989."
Irving recorreu da sentença. Mas, nos termos da lei austríaca, ficará na cadeia a esperar a decisão dos tribunias superiores.
O zelo da Áustria em julgar Irving tem que ver com o seu passado nazi e, ainda, com a crise europeia suscitada pela inclusão da extrema-direita de Joerg Haider no Governo de Viena. O historiador Hajo Kunke disse à BBC que a Áustria e a Alemanha "têm o dever moral de combater o tipo de propaganda protagonizada por Irving", mesmo correndo o risco de ele se vir a tornar um "mártir da liberdade de expressão" ou de a Europa ser acusada de ter dois pesos e duas medidas em matéria de liberdade de expressão, em relação a judeus e a muçulmanos e no momento em que a crise dos cartoons abriu feridas fundas.
Outro austríaco, o sociólogo Christian Fleck, afirma que os negacionistas do Holocausto devem ser combatidos com argumentos e não com a lei. "Irving é um louco - e a melhor maneira de lidar com os loucos é ignorá-los."

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