Nancy Lanza: a primeira vítima ou a primeira culpada?

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Placas com os nomes das 26 pessoas (20 crianças e seis adultos) que Adam Lanza matou na escola de Sandy Hook ADREES LATIF/REUTERS

Porque é que aquela mulher tinha um arsenal de armas em casa? Porque é que ensinou o filho problemático a disparar? Newtown continua a chorar os seus mortos, mas não chora a mãe de Adam Lanza

Vinte seis. E não 27.

Quando muitas pessoas em Newtown contam as vítimas do massacre de Sandy Hook, somam as 20 crianças da escola primária, mais seis adultos que trabalhavam naquele estabelecimento de ensino. Poucos são os que contam com a primeira vítima do atirador Adam Lanza: a sua mãe, Nancy. A polícia disse que, antes de atacar a escola, Adam Lanza disparou quatro balas na cabeça da sua mãe quando esta estava a dormir.

À medida que esta cidade destroçada tenta processar o horror do massacre, há uma raiva considerável em relação à mãe de Adam. O seu nome está ostensivamente ausente de muitos dos memoriais e notas de condolências espalhados pela cidade.

No início da rua que conduz à escola de Sandy Hook, 26 árvores de Natal foram ali colocadas para prestar homenagem às vítimas, cada uma com um nome. O nome de Nancy Lanza não está lá. À porta de um supermercado no centro da cidade, 26 pequenas árvores de Natal de plástico com luzinhas azuis e roxas estão ao lado de um cartaz em que se lê: "Em memória das vítimas de Sandy Hook." A Universidade do Connecticut homenageou as vítimas com uma cerimónia durante um jogo de basquetebol com 26 estudantes a juntarem-se no meio do campo com velas acesas na mão.

"Sinto que há mais raiva em relação à mãe do que em relação ao filho", diz Lisa Sheridan, uma mãe que vive em Newtown. "Porque é que uma mulher que tinha um filho como este, que tinha claramente problemas sérios, mantinha espingardas de assalto em casa e o ensinou a dispará-las?", pergunta Lisa.

Durante uma semana sucederam-se os funerais e as cerimónias religiosas, criando uma espécie de procissão fúnebre contínua. Carros funerários seguidos por mais carros pretos cruzaram as ruas da pequena cidade liderados por escoltas policiais.

À porta da igreja católica de St. Rose of Lima, cerca de 50 motos da polícia esperam pelo próximo cortejo. Bombeiros e polícias em uniforme de gala estão alinhados à porta da igreja aguardando a passagem de mais um caixão. Homens de luto enchem o funeral, muitos deles com camisa branca e gravata verde, as duas cores de homenagem aos mortos de Sandy Hook. As mulheres choram a saída de mais um velório.

Nancy Lanza não violou nenhuma lei e sofreu uma trágica e violenta morte. As pessoas que a conheciam - as que jogavam com ela regularmente um jogo de dados e aquelas que frequentavam o seu restaurante favorito - dizem que ela era uma mãe dedicada ao seu filho e generosa para com os outros. Vêem-na como uma vítima, tal como as outras.

Mas, para alguns, a forma como Nancy deve ser recordada é assunto de muita conversa. Enquanto uns lhe chamam a primeira vítima, muitos acham que ela também foi culpada daquilo que o seu filho fez. "Talvez algures exista este sentimento de que a mãe do atirador pode ser responsável por ter deixado as armas acessíveis", tenta explicar Himansu Patel, o dono do supermercado que decidiu omitir o nome de Nancy Lanza do memorial às vítimas. "Como é que ele podia ter acesso àquelas armas?", pergunta Patel. "Se ela as tivesse guardado num local seguro, isto podia não ter acontecido."

A polícia não disse como é que Nancy guardava as armas nem como Adam teve acesso a elas.

Quando o Presidente Obama visitou Newtown e falou numa cerimónia multiconfessional, fez questão de ler, um a um, os nomes das 26 vítimas que morreram na escola de Sandy Hook. Nunca mencionou Nancy Lanza.

Enquanto Obama falava, as pessoas juntaram-se num silêncio respeitoso junto à televisão instalada no bar do My Place, o restaurante de Newtown onde Nancy ia com frequência. Ouviram o Presidente dizer: "Estamos aqui reunidos em memória de 20 lindas crianças e de seis adultos fantásticos."

"Sete", disse uma mulher que estava ao balcão, referindo-se à sua amiga Nancy.

Pouco se sabe sobre Adam Lanza e a sua mãe. Mas agora toda a gente sabe que Nancy, 52 anos, era a dona legalmente registada de uma potente espingarda Bushmaster de calibre .223 que foi usada no massacre. E também ficaram a saber que mãe e filho visitaram juntos vários campos de tiro para praticar. Sabe-se também que Adam tinha problemas psicológicos ou emocionais que tornavam os elementos mais básicos da vida quotidiana - tal como a escola e os eventos sociais - um desafio para ele.

Estes factos deixaram questões a pairar sobre Newtown. A mãe fez o suficiente para manter as suas armas longe das mãos do filho? Deveria ela ter ensinado um jovem com problemas psicológicos a disparar uma arma?

Nancy tinha outro filho, Ryan, de 24 anos, com o seu marido Peter, de quem se divorciou. Tem uma família extensa no New Hampshire.

H. Wayne Carver II, o chefe médico legista do estado do Connecticut, disse que o corpo de Nancy, e o do seu filho, só foram reclamados quatro dias depois do massacre. Também disse que a agência funerária que reclamou os corpos lhe pediu para não ser identificada e disse que tencionava transportar os dois mortos "de forma discreta".

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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