França indignada com ataque a jornal satírico que fez capa com Maomé

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O director Charb com a edição de ontem na mão junto à redacção em Paris ALEXANDER KLEIN/AFP

"Os verdadeiros muçulmanos não incendeiam jornais", disse o director do Charlie Hebdo. "O pior é que, por causa destes imbecis, todos os muçulmanos de França passarão por integristas"

Seis anos depois da publicação na Dinamarca das caricaturas de Maomé, um incêndio de origem criminosa destruiu ontem a redacção de um jornal satírico francês enquanto o site da publicação era atacado por hackers. Não há coincidências: o ataque, com um cocktail molotov, aconteceu no mesmo dia em que o Charlie Hebdo chegava às bancas com uma edição "editada" por Maomé para "celebrar a vitória do partido islamista na Tunísia".

Como todas as semanas, a capa do semanário circulou dias antes na forma de um comunicado de imprensa onde se ficava a saber que traria Maomé a dizer "100 chicotadas se não estão a morrer a rir". Muitos muçulmanos consideram a representação do profeta proibida e de imediato surgiram reacções hostis e algumas ameaças enviadas por email ou publicadas nas redes sociais e reenviadas para a polícia. Oficialmente, trata-se de um "ataque criminoso" e estão a ser seguidas todas as pistas, incluindo a de "muçulmanos integristas".

"Está tudo destruído", disse ao Libération o cronista Patrick Pelloux diante da sede do jornal, em Paris. No edifício, funciona a redacção, o serviço onde são fabricadas as maquetas e os escritórios comerciais. "Estamos em choque", disse também ao Libé o director do jornal, conhecido apenas por Charb. "Nós brincamos, mas estamos em choque."

Durante a manhã, enquanto no site aparecia uma imagem da mesquita de Meca e a frase "Não há outro Deus senão Alá", parte da profissão de fé dos muçulmanos, os responsáveis do jornal desdobravam-se em declarações, ora dizendo que não seria possível fazer sair o próximo número, ora garantindo que isso aconteceria "de qualquer forma". Ao início da tarde, já no site se podia ler "funciona!", os jornalistas eram acolhidos na redacção do Libé - uma das publicações a disponibilizar-se para os receber.

"Que modo de expressão usar para responder a estas pessoas que não passam de imbecis? Os verdadeiros muçulmanos não incendeiam jornais. O pior de tudo é que, por causa destes imbecis, todos os muçulmanos de França passarão por integristas", comentou Charb.

O primeiro-ministro francês, François Fillon, afirmou-se "indignado", enquanto o ministro do Interior, Claude Guéant, garantiu que tudo será feito para descobrir os culpados deste "atentado". Todos os partidos condenaram o ataque e sublinharam a defesa da liberdade de expressão. A Frente Nacional, partido de extrema-direita abertamente anti-islão, condenou o ataque num comunicado intitulado Será a sharia [lei islâmica] intocável em França?.

A condenação foi igualmente generalizada entre os responsáveis muçulmanos em França, país com a maior comunidade de seguidores do islão na Europa. Tareq Oubrou, chefe da Associação de Imãs, falou num "acto inadmissível" e apelou aos muçulmanos para "não levarem muito a sério" as caricaturas. Para o presidente do Conselho Francês do Culto Muçulmano, Mohammed Moussaoui, esta primeira página do Charlie Hebdo é "menos violenta" do que as que o mesmo semanário publicou em 2008, a propósito dos protestos violentos que as caricaturas de Maomé, inicialmente publicadas na Dinamarca, provocaram.

Na altura, em apoio à liberdade de imprensa e ao direito de caricaturar tudo e todos, o Charlie Hebdo decidiu republicar os 12 cartoons do diário dinamarquês Jyllands-Posten com uma primeira página em que mostrava Maomé, profeta de mil milhões, a dizer "é difícil ser adorado por imbecis". A edição vendeu quase 300 mil (a tiragem habitual são 60 mil exemplares). Houve ameaças e processos, mas nenhum ataque.

No blogue do L"Express sobre media, o jornalista Renaud Revel saudava a "união nacional" provocada por um ataque que fez do Charlie Hebdo "símbolo de um bem comum e universal, a liberdade de expressão".

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