Crise no Governo de Schroeder

Os ministros da Agricultura e da Saúde da Alemanha demitiram-se depois de duras críticas ao modo como trataram o problema da doença das vacas loucas. O afastamento de Karl-Heinz Funke e de Andrea Fischer agrava uma crise no Governo de Schroeder, que já estava a afectar o seu "triunvirato de ouro": Joschka Fischer, Rudolf Scharping e Hans Eichel.

O Governo alemão perdeu ontem dois ministros: o da Agricultura, Karl-Heinz Funke, e a da Saúde, Andrea Fischer, que assumiram a responsabilidade pela maneira como os seus departamentos cooperaram quando eclodiu o problema da doença das vacas loucas.Fischer, de 40 anos, membro do partido ecologista "Os Verdes", admitiu que o Governo não soube restaurar a confiança dos consumidores quando foi detectado um surto de encefalopatia espongiforme bovina (BSE). "Espero que, ao demitir-me, possa ajudar a normalizar a situação", disse numa conferência de imprensa em Berlim.A televisão alemão referiu que, para manter o equilíbrio de forças na sua coligação, Schroeder deverá nomear em breve Baerbel Hoehn, ministra do Ambiente no governo regional da Baixa Saxónia, o maior dos 16 estados federados da Alemanha. O sucessor do social-democrata Funke deverá ser o secretário de Estado da Agricultura, Martin Wille.Schroeder defendeu sempre os ministros demissionários, mas reconheceu que a Alemanha foi complacente em relação à doença, julgando que os métodos usados na sua agricultura eram suficientes para prevenir a BSE. Desde Novembro, foram confirmados nove casos no país.A saída de dois membros do Executivo (o sexto e o sétimo ministros a saírem em dois anos de legislatura) fragiliza ainda mais a equipa de Schroeder numa altura em que três das suas "estrelas" - os ministros dos Negócios Estrangeiros, Joschka Fischer, da Defesa, Rudolf Scharping, e das Finanças, Hans Eichel - estão também sob críticas da oposição, ainda que permaneçam muito populares. E o mais popular é Fischer - 83 por cento dos alemães defendem que ele não se deve demitir."Amigável e aberta", assim classificou Joschka Fischer a conversa telefónica que ontem manteve com Rainer Marx, o polícia que ele terá agredido, em 7 de Abril de 1973, durante confrontos de rua em Frankfurt. Este telefonema, antecedendo um encontro pessoal ainda não agendado, surgiu na sequência de fotografias divulgadas pelo semanário alemão "Stern", que levaram o ministro a fazer um acto de contrição público pedindo desculpa à polícia pelo seu comportamento violento no passado.Na biografia do mais popular dos políticos alemães é conhecida a sua militância radical de esquerda - e a participação nas designadas "Putzgruppe" (numa tradução livre, "brigadas de limpeza"), que lutavam contra a violência institucional entendida como defesa de uma ordem opressiva, continuadora do nazismo, na conturbada década de 70 na Alemanha. O que explica então o terramoto político provocado pelas fotografias há muito esquecidas num arquivo do ex-repórter do "Frankfurter Allgemeine Zeitung", Lutz Kleinhans, e agora publicadas pelo "Stern"? Num primeiro momento, a força da imagem que torna inevitável a comparação do dotado diplomata de hoje com o jovem cabeludo de capacete a bater num polícia, ironicamente, de apelido Marx. Em segundo lugar, o regresso forçado ao passado do chefe da diplomacia, a poucos dias da sua presença em tribunal como testemunha no julgamento do antigo terrorista Hans-Joachim Klein, leva a actual geração de "soixante-huitards", no poder e nos "media", a confrontarem-se com as diferentes "esquerdas" que derivaram do movimento APO, espécie de Maio de 68 alemão. A APO - "ausserparlamentarische opposition"-, oposição extraparlamentar, constituiu-se na Alemanha em 1966 como consequência da "grande coligação" entre democratas-cristãos e sociais-democratas no Governo central. A "nova esquerda", formada por intelectuais e estudantes, em torno do antiamericanismo, anticonsumismo, antieconomia de mercado e anti-sistema, não conseguiu estabelecer uma formulação teórica coesa, dando origem à criação de diferentes movimentos alternativos pacifistas e antinucleares (na génese do partido "Os Verdes") e ao grupo terrorista RAF.As polémicas fotografias da "Stern" foram cedidas por Bettina Röhl, uma das filhas gémeas de Ulrike Meinhof, a líder, juntamente com Andreas Baader, da RAF. Röhl, jornalista de 38 anos, que só por um fio não acabou num campo de refugiados palestinianos na Jordânia, tenciona apresentar queixa contra Fischer por tentativa de homicídio. Ela acredita que a estrela d'"Os Verdes" estará por de detrás dos ataques com "cocktails molotov" que quase causaram a morte a um polícia em 1976. Aqueles protestos violentos ocorreram em Frankfurt, após ter sido conhecido o suicídio de Ulrike Meinhof na prisão. Numa carta aberta, de 27 páginas, dirigida ao Presidente alemão, Johannes Rau, Bettina Röhl descreve Fischer como "não político, apolítico e obcecado com a violência".O chanceler Schroeder já manifestou o total apoio ao seu ministro: "Eu penso que ele explicou, de forma convincente, a forma como se comportou naquela época, mas também retratou, de forma igualmente convincente, o seu desenvolvimento pessoal e político." Algumas figuras de segunda linha da CDU solicitaram a demissão de Fischer, mas as manifestações de solidariedade recebidas pelo ministro superam as críticas.As revelações de Fischer ao "Stern" fazem parte da "encenação" para a comparência em tribunal, no próximo dia 16, no julgamento de Hans-Joachim Klein, um dos participantes no assalto à sede da OPEP em Viena em 1975. Klein era mecânico do carro de Fischer e transportou a arma que serviu para assassinar o ministro da Economia do estado-federado de Hessen, Heinz-Herbert Karry. Fischer garante que não emprestou o carro a Klein e nem sabia que este iria utilizar a viatura para transportar armamento.

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