Cantar contra Putin numa igreja de Moscovo dá dois anos de prisão

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A polícia deteve alguns dos que se manifestaram junto ao tribunal, incluindo os opositores Garry Kasparov e Sergei Udaltsov ANDREY SMIRNOV/AFP

A pena contra as Pussy Riot foi "desproporcionada", "uma vergonha", "monstruosa" e serviu, segundo analistas e críticos, para o Presidente mostrar que na sua Rússia não há lugar para a dissidência

Nadejda Tolokonnikova, 22 anos, uma das três mulheres que integram o colectivo punk Pussy Riot e que ontem foram condenadas a dois anos de prisão por um tribunal de Moscovo, já tinha deixado bem claro que "aquilo que as Pussy Riot fazem é política". Neste caso, política de oposição ao Presidente Vladimir Putin.

Daí que a sentença de ontem, aplicada a Tolokonnikova, Ekaterina Samoutsevitch, 30 anos, e Maria Alekhina, 24, tenha sido lida por observadores internacionais, membros da oposição e organizações de defesa dos direitos humanos como mais uma mensagem do Kremlin contra as veleidades da dissidência na Rússia.

Nas ruas de Moscovo gritou-se "vergonha", e de Washington, Bruxelas e várias capitais europeias chegou a mensagem de que as democracias ocidentais consideraram a pena de prisão "desproporcionada". A Amnistia Internacional afirmou que o veredicto mostra "que as autoridades russas não poupam meios para suprimir a dissidência e para amordaçar a sociedade civil".

A juíza Marina Sirova demorou quase três horas a ler a sentença, depois de ter deixado claro, no início da leitura, que as três acusadas eram culpadas de "hooliganismo e incitamento ao ódio religioso". A acusação tinha pedido três anos de prisão e a pena máxima prevista para estes crimes era de sete anos.

Numa sala com a lotação mais do que esgotada por familiares das três mulheres, diplomatas ocidentais, activistas da oposição, muitos polícias, jornalistas, e as equipas de advogados e do Ministério Público, a juíza Sirova falou para as acusadas, algemadas, de pé, dentro de uma jaula de vidro, para lhes dizer que não mostram qualquer sinal de "arrependimento" e que "violaram seriamente a ordem pública" e "ofenderam os sentimentos religiosos dos crentes".

Nadejda Tolokonnikova, Ekaterina Samoutsevitch, e Maria Alekhina foram presas no dia 5 de Março (os dois anos de prisão contam a partir daqui) depois de terem cantado, no dia 21 de Fevereiro, uma "oração punk" na Catedral do Cristo Salvador em Moscovo, pedindo à Virgem Maria para "correr com Putin" do poder.

Numa actuação que foi filmada e está disponível num vídeo posteriormente editado e colocado no YouTube, vêem-se sete raparigas de rosto tapado por coloridas balaclavas a ajoelharem-se e a fazer sinais da cruz, mas também a darem pontapés e murros no ar ao melhor estilo punk, enquanto funcionários da Igreja as tentam expulsar da zona do altar. A ruidosa "oração" é entrecortada por uma melodia que se assemelha a um canto religioso. O suficiente para chocar muitos dos 70% dos russos que se declaram ortodoxos.

A 22 de Abril, o patriarca Kirill, líder da Igreja Ortodoxa russa, acusou-as de "sacrilégio" e juntou milhares de fiéis na rua frente à catedral para pedirem uma punição para as três mulheres. O porta-voz do patriarcado, Vsevolod Tchapline, considerou que as jovens tinham cometido um "crime pior do que homicídio".

O julgamento - oito dias de audiências - começou no dia 20 de Julho. Acusadas de "hooliganismo" e "incitamento ao ódio religioso", as três Pussy Riot e os seus advogados insistiram que a acção na Catedral do Cristo Salvador nunca teve como objectivo ofender os fiéis ortodoxos, mas que se tratou de um protesto político contra Putin e contra a proximidade da hierarquia religiosa da Rússia com o poder do Kremlin.

O (in)clemente

De Vladimir Putin chegou, no início de Agosto, um pedido de clemência, lido pelos analistas como uma tentativa do Presidente de esvaziar a dimensão política de um julgamento que chamava cada vez mais a atenção do mundo. A cantora Madonna, num concerto em Moscovo, pediu aquilo que já outros músicos internacionais tinham pedido: "Libertem as Pussy Riot!"

"Esta condenação é monstruosa. Como nos tempos do comunismo, proíbem-se todas as actividades dirigidas contra os ideais sagrados do Estado. É um sinal claro destinado aos opositores, para que eles se acalmem e parem de criticar", disse à AFP o politólogo independente Dimitri Orechkine.

A firmeza demonstrada pelo regime neste caso inscreve-se no contexto geral da linha dura seguida por Putin desde que regressou à presidência, há três meses, com a adopção de várias leis controversas. Alguns exemplos apenas: as organizações não governamentais que recebem fundos estrangeiros estão agora sujeitas a uma lei que as identifica com "agentes estrangeiros" e que prevê sanções que podem ir aos dois anos de prisão; há também uma nova lei contra o crime de difamação; uma nova "lista negra" de sites e um reforço das sanções para quem violar a lei das manifestações.

"O caso Pussy Riot vai radicalizar a oposição", disse por seu lado, Iuri Korgoniuk, presidente da fundação Indem (ONG de promoção da democracia). "Se para Putin pode tratar-se de um episódio menor", este processo é sobretudo um "duro golpe para a Igreja Ortodoxa".

E de nada terá servido o pedido de "clemência" para as Pussy Riot que chegou tardiamente, ontem ao fim do dia, do Patriarcado de Moscovo. Assim que a juíza Marina Sirova se calou, os advogados de defesa anunciaram que vão recorrer da sentença, primeiro na Rússia, e depois no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Nadejda, Ekaterina e Maria estavam a rir-se para os fotógrafos no final do julgamento.

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