Vaticano critica atribuição do Nobel da Medicina ao "pai" do primeiro bebé-proveta

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Roberts Edwards encontra-se demasiado doente para dar entrevistas BOURNE HALL/AFP

Robert Edwards, de 85 anos, viu ontem distinguidos, com o prémio de maior prestígio mundial, os avanços que fez na fertilização in vitro durante as décadas de 60 e 70

Pouco antes da meia-noite de 25 de Julho de 1978, o maravilhoso novo mundo chegava à reprodução humana: nascia Louise Brown, o primeiro bebé-proveta, que resultava da fecundação de um ovócito por um espermatozóide fora do corpo da mulher. O cientista responsável por este avanço foi o britânico Robert Edwards, que ontem, aos 85 anos, foi distinguido com o Prémio Nobel da Medicina, "pelo desenvolvimento da fertilização humana in vitro", frisa um comunicado do comité do Nobel no Instituto Karolinska, na Suécia.

Quase quatro milhões de pessoas já nasceram devido a estas técnicas, consideradas seguras, embora com um aumento de gravidezes múltiplas, e ainda não isentas de polémica (deve haver um limite de idade para os pais? Os doadores de ovócitos e espermatozóides devem ser pagos? Estas crianças devem poder saber quem são os pais biológicos?). O Vaticano já criticou a atribuição do prémio.

"Sem Edward, não haveria um mercado que vende milhões de ovócitos", disse Ignacio Carrasco de Paula, presidente da Academia Pontifícia para a Vida, à agência Ansa, citada pela AFP. "Não haveria um grande número de congeladores cheios de embriões", acrescentando que muitos dos que esperam a transferência para o útero "acabarão por ser abandonados ou morrer". "É um problema pelo qual é responsável o novo Prémio Nobel."

Um feito a dois

Edwards não está bem de saúde, disse o secretário do comité do Nobel, Goran Hansson, que ontem de manhã o tentou contactar. Está demasiado doente para ser entrevistado. "Falei com a mulher dele. Ficou encantada e tem a certeza de que ele também ficaria", disse Hansson, segundo a AP, quando anunciou o prémio no valor de dez milhões de coroas suecas (um milhão de euros).

Esta história leva-nos numa viagem até meados do século passado. Edwards, nascido em Manchester, doutorou-se em 1955 na Universidade de Edimburgo, com um trabalho sobre desenvolvimento embrionário em ratinhos. Sonhava que a fertilização in vitro poderia tratar a infertilidade humana (afecta dez por cento dos casais), até porque outros cientistas já tinham mostrado que podiam fertilizar-se ovócitos de coelho numa proveta quando se lhes juntavam espermatozóides, resultando crias.

Ainda no final dos anos 50, Edwards passou então a dedicar-se à investigação da fertilidade humana, primeiro no Instituto Nacional para a Investigação Médica em Londres, depois na Universidade de Cambridge.

Em 1969, teve o primeiro sucesso: fertilizava um ovócito humano num pratinho de laboratório, recorda a nota do comité do Nobel. Para os seres humanos, porém, as coisas não eram simples. O ciclo dos seus ovócitos é muito diferente do dos coelhos, pelo que o sonho esbarrava num obstáculo: os ovócitos fecundados não passavam de uma divisão celular. Edwards começou a suspeitar de que ovócitos completamente amadurecidos ainda nos ovários, antes de serem removidos para a fertilização in vitro, funcionariam melhor do que os retirados antes disso, e começou à procura de maneiras seguras de o fazer. No final dos anos 60, isso exigia remover uma pequena porção do ovário.

Edwards leu um artigo de Patrick Steptoe, em que este ginecologista do Hospital Geral e Distrital de Oldham descrevia um novo método chamado laparoscopia: permitia ver o aparelho reprodutivo feminino com uma fibra óptica por uma pequena incisão, além de possibilitar a recolha pouco invasiva de ovócitos amadurecidos.

Steptoe juntou-se à equipa. Mas ainda havia um caminho a percorrer, tanto com descobertas sobre a reprodução humana como com um debate ético. Líderes religiosos e cientistas exigiram o fim do projecto por ser moralmente errado, e outros defenderam a continuação. Edwards viu os fundos públicos serem-lhe cortados, mas pôde continuar com doações privadas.

No início dos anos 70, a dupla começou a transferir para o útero de mulheres embriões fertilizados in vitro. Pelo caminho, Edwards percebeu como é que se dá o amadurecimentos dos ovócitos humanos, como este processo é regulado por diferentes hormonas ou em que momento os ovócitos estão em condições de serem fecundados.

E eis que, a 25 de Julho de 1978, Lesley e John Brown, um casal de Bristol, concretizaram o sonho de ser pais ao fim de nove anos de tentativas falhadas. Louise Brown, uma menina de 2,7 quilos, nascia de cesariana. Tornou-se uma criança extrovertida, depois uma adolescente que trabalhou no Burger King e, aos 18 anos, era assistente num infantário. Em 2006, foi mãe de um menino concebido naturalmente.

Portugal, 1986

Edwards e Steptoe criaram a Clínica Bourn Hall em Cambridge, o primeiro centro de fertilização in vitro do mundo. Steptoe foi o director clínico até à sua morte, em 1988, e Edwards o director científico até à reforma.

Só na clínica, em 1986, tinham nascido mil crianças e outras mil no resto do mundo - em Portugal, aliás, nascia nesse ano, a 25 de Fevereiro, o primeiro bebé-proveta, Carlos Saleiro, futebolista do Sporting. Um feito da equipa de António Pereira Coelho, do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.

Ontem Pereira Coelho, que contactou com Edwards em 1983 em Paris, onde aprendia estas técnicas, recordou à Lusa: "Foi um contacto fascinante, não apenas pela sua capacidade científica, mas também simplicidade, capacidade de nos estimular e encorajar." Esta notícia, frisou, é uma "grande alegria". "Só peca por tardia".

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