Remorsos, só de não ter morto mais gente, diz serial killer de Toulouse

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As luzes apagaram-se ontem à noite no quarteirão onde fica a casa de Mohamed Merah JEAN-PHILIPPE ARLES/REUTERS

Cercado em sua casa, Mohamed Merah dizia preferir "matar e continuar vivo". A polícia atacou à noite, após sucessivas promessas de rendição do homem que diz ser da Al-Qaeda

O assalto à casa onde Mohamed Merah, de 23 anos, o suspeito - e também autoproclamado - assassino de Toulouse - estava barricado terá começado ontem pouco depois das 23h30 (um amenos em Lisboa), com três explosões que iluminaram o bairro residencial de Toulouse deixado às escuras algumas horas antes, mas à hora de fecho desta edição não havia qualquer confirmação. Cercado, sem remorso pelas sete pessoas que matou, e já com novos alvos escolhidos: outro militar, dois polícias, dizia que se havia de render, mas adiava sucessivamente esse motivo. Remorsos, dizia aos negociadores da unidade de elite contra o grande banditismo (RAID) só por não ter morto mais gente.

Oscilava entre períodos de silêncio e outros em que falava muito. Contou que a escola judaica onde matou quatro pessoas, três delas crianças, foi um alvo de recurso, para descarregar a fúria por não ter encontrado na segunda-feira o militar que queria matar. Estava orgulhoso por ter "posto a França de joelhos."

"Este homem queria pôr a República de joelhos; ela não cedeu nem deu parte de fraca. Os seus crimes não tardarão a ser punidos", corrigiu o Presidente Nicolas Sarkozy, presente em Montauban, nas cerimónias fúnebres dos dois pára-quedistas do 17.º regimento mortos com tiros na cabeça a 15 de Março, presumivelmente pela mão de Merah. Segundo a revista L"Express, tinham ido levantar dinheiro ao multibanco - para comprar pães com chocolate.

Os motivos de Merah, que se define como um mujahedin e diz pertencer à rede terrorista Al-Qaeda, foram comunicados por Claude Guéant, o ministro do Interior: vingar a morte de crianças palestinianas e punir a França em geral, por ter posto em prática a lei que interdita o uso do véu islâmico integral em público.

Da parte da Autoridade Palestiniana, a condenação foi rápida: "Já é tempo de estes criminosos deixarem de reivindicar os seus actos criminosos em nome da Palestina e de fingirem que defendem a causa das suas crianças", afirmou o primeiro-ministro Salam Fayyad.

O procurador de Paris, François Molins, anunciou a detenção da mãe de Merah, e do irmão Abdelkader, de 29 anos, que "foi apanhado numa iniciação de jihadistas no Iraque há alguns anos", e a sua namorada.

Uma radicalização atípica

Mohamed, no entanto, terá seguido um percurso de "auto-radicalização atípico". Molins confirmou que esteve pelo menos duas vezes no Afeganistão, "pelos seus próprios meios, sem passar pelos facilitadores e países sob vigilância". Foi interceptado num controlo rodoviário pela polícia afegã e entregue às forças norte-americanas, que o enviaram para França. Mas de Agosto a Outubro de 2011 foi para o Paquistão - a estadia foi interrompida porque contraiu hepatite A. "Não temos elementos que permitam relacioná-lo com alguma organização", disse o procurador.

Já o seu cadastro em França é longo, e desde jovem: foi condenado 15 vezes. "Apresenta um perfil violento desde a infância, tem problemas de comportamento desde menor, compatíveis com a extrema violência dos factos" recentes, disse Molins.

As referências à Al-Qaeda não são novas. O jornal Télégramme cita uma ex-vizinha de Merah, que conta como ele convidou um adolescente para ir a sua casa e lhe queria mostrar vídeos da Al-Qaeda com decapitações, e não o deixava ir-se embora. A irmã do rapaz foi dizer-lhe para não voltar a fazer aquilo, e foi brutalmente agredida por Merah, que brandia um sabre, conta a ex-vizinha, Malika. Mas como é que um delinquente juvenil se radicaliza, transformando-se num terrorista inspirado pela Al-Qaeda que mata a sangue-frio?

Sem alma de mártir

Outros, que cresceram com ele, dizem-se chocados, descrevem-no como "simpático, gentil", o mais jovem de cinco irmãos numa família modesta, que passou pouco tempo na escola. "Gosta de futebol, da mota, de carros, de raparigas", disse um amigo de infância ao Libération.

"Ele sentia que fazia parte dos jovens que tratamos injustamente", disse Christian Etelin , o advogado que o defendeu nas muitas vezes em que Merah teve de comparecer perante a justiça francesa. "É uma tentativa de explicação, porque a pessoa que conhecia não se parece com a que acusam de ter feito isto", disse o advogado, frente ao número 17 da rua Sergent-Vigné. "Se me pedir, voltarei a defendê-lo". Aos negociadores da prestigiada RAID - uma força de elite criada por Sarkozy, quando era ministro do Interior - Merah disse que "não tinha alma de suicida, nem de mártir". Para ele, o "preferível é matar e continuar vivo".

A unidade de elite tentou, desde o início da madrugada, uma operação relâmpago esperando encontrar o suspeito desprevenido, mas a iniciativa fracassou. Durante o dia fez tentativas para entrar na casa e deter o suspeito, reconheceu o procurador de Paris. Mas Merah, sempre pronto para ripostar (feriu dois polícias), continuava barricado. De manhã tinha dito que se renderia ao princípio da tarde, à tarde que se entregaria ao princípio da noite. À hora de fecho desta edição, as luzes do quarteirão tinha sido todas desligadas. Merah ameaçava pôr as imagens que captou dos homicídios na Internet.

Marine Le Pen, a dirigente do partido de extrema-direita Frente Nacional e a terceira nas intenções de voto nas sondagens para as eleições presidenciais de 22 de Abril, sentiu-se vingada nas suas ideias anti-imigração e anti-Islão, ao ter como suspeito do crime que choca a França alguém que se reclama da Al-Qaeda. Aproveitou para dizer que lançaria um debate sobre a restauração da pena de morte, abolida há três décadas, no tempo do Presidente socialista François Mitterrand - e recebeu críticas de todos os lados.

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