Lula enfrenta rival unido na corrida à presidência do Brasil

Ao contrário do que aconteceu em 2002, o PSDB indicou Geraldo Alckmin para a corrida
presidencial sem fracturas internas nem margem para dissidências. Mas o instinto de sobrevivência
de Lula continua a garantir-lhe o primeiro lugar nas sondagens

Lula da Silva resistiu à tormenta do escândalo do "mensalão", o maior esquema de corrupção com dinheiros públicos das últimas décadas, e está de novo à frente nas sondagens para a eleição presidencial de Outubro próximo. Lula e a ainda poderosa máquina do Partido dos Trabalhadores sabem, no entanto, que se o "mensalão" não arruinou por completo as suas expectativas para a reeleição, desfez, pelo menos, o desejo de qualquer viagem descansada e triunfal até o Planalto. Agora, para garantir o segundo mandato, Lula e o PT dependem de vários factores que não controlam: dependem do desempenho da selecção no mundial de futebol da Alemanha; dependem do desfecho da Comissão Parlamentar (CPI) dos Bingos, que está a colocar António Palocci, ministro da Fazenda, no epicentro de mais um escândalo de corrupção.
Dependem também da opção que os caciques do PMDB vão hoje fazer sobre a apresentação, ou não, de um candidato próprio; e dependem também do desempenho que o seu principal adversário, o ex-governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, candidato pelo PSDB (Partido da Social-Democracia Brasileira) e apoiado pelos liberais conservadores do PFL, tiver na dura campanha que se avizinha.
Será Alckmin um burocrata "chuchu", competente na gestão e eticamente irrepreensível, mas mole e sem carisma, ou será um político com vontade, energia e determinação, como mostrou nas primárias do PSDB?
Para Lula, a nomeação de Alckmin não trouxe boas notícias. Depois de semanas de abundantes jogos de bastidores, a cúpula do partido conseguiu evitar a repetição das divisões de 2002 e escolheu o seu candidato sem dramas nem dissidências. Os responsáveis pela proeza são dois: José Serra, prefeito de São Paulo, e Geraldo Alckmin. O primeiro queria ser candidato sem eleições internas, por unanimidade e aclamação; o segundo entrou na corrida sem o beneplácito das cúpulas, deixou o governo de São Paulo e fez-se à estrada.
Serra, que enfrentou Lula há quatro anos, estava à frente nas sondagens e, era o preferido pelo triunvirato encarregado de escolher o candidato dos tucanos (a ave amazónica que é o símbolo do partido serve para designar os seus militantes), que integrava o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o presidente do PSDB Tasso Jereissati e o governador de Minas Gerais Aécio Neves, sobrinho de Tancredo Neves e uma das estrelas em ascensão na política brasileira.
No entanto, Alckmin tinha a preferência de 35 dos 54 deputados federais, de oito dos 14 senadores e de cinco dos seis governadores de Estado. A disputa prometia ser suicidária e abrir feridas como em 2002, quando a escolha de Serra levou destacados líderes do partido, incluindo Jereissati, a apoiar o rival Ciro Gomes.
Serra mediu, porém, as consequências do desafio e delegou em Alckmin a responsabilidade de enfrentar Lula, a senadora Heloísa Helena, uma dissidente do PT que representa os ideais românticos da esquerda, e, provavelmente, o governador de Rio Grande do Sul ou Anthony Garotinho, que, se não houver alterações de última hora, hoje disputam a nomeação nas primárias do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro).
Lula parte à frente, mas não perde tempo. Nas últimas semanas desdobrou-se em viagens pelo país. O seu instinto de sobrevivência política leva-o a apostar nos trunfos da sua personalidade e da sua presidência: na capacidade de falar aos brasileiros (a versão "lulinha paz e amor" permanece actual), nos bons resultados na política económica e no Bolsa Família, um programa social que, depois do desastre do Fome Zero, chega já a 8,7 milhões de lares pobres em todo o Brasil.
Face a estes argumentos, como pode responder Alckmin? A sua imagem é cinzenta e burocrática. É uma figura desconhecida para a maioria dos cidadãos. É "excessivamente" paulista, o que gera desconfiança. Está na margem direita do PSDB, o que afasta a esquerda desiludida com Lula. Não é reconhecido nem apreciado pelos intelectuais. Mas governa o estado mais poderoso do país.
Alckmin deu provas de ser um gestor rigoroso e competente. Venceu com vigor e convicção José Serra, um dos históricos do partido. E tem na sua biografia a façanha de se ter tornado o mais jovem prefeito (presidente de câmara) da história da democracia brasileira.
À partida, estes trunfos podem ser suficientes para acelerar o descrédito de Lula nas zonas mais urbanizadas e desenvolvidas, como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná ou Minas Gerais. As classes médias politizadas hostilizam Lula e o PT por terem desfeito a promessa e o sonho de um país sem corrupção (a sua principal bandeira nas eleições de 2002) e duvidam da mensagem de sucesso propalada pela "ekipekonômica", como se designa o ministério da Fazenda de António Palocci.
Nas periferias das capitais ou no sertão as mensagens políticas exigem outro tipo de descodificação. Num país onde há deputados federais condenados por trabalho escravo nas suas fazendas (aconteceu com Inocêncio Oliveira, do Maranhão, no mês passado) a eficácia das mensagens é mais subliminar. Há muitas pessoas (incluindo intelectuais) que dizem que o "mensalão" resulta de uma conspiração dos media. Que, apesar da ortodoxia da gestão das finanças públicas, Lula está a combater a desigualdade.
A seis meses da eleição, o Brasil divide-se sobre a pessoa que vai ocupar o Palácio do Planalto. Num pormenor, porém, todos estão de acordo: a eleição apaixonante de 2002, onde os valores e os sonhos determinaram o sentido de voto de milhões de pessoas, não se vai repetir. Acabada a ilusão, a política brasileira regressa à normalidade.
economia com
altos e baixos
Nos últimos três anos, criaram-se 3,5 milhões de empregos os juros (11 por cento) estão entre os mais altos do mundo, o investimento público representa "apenas" 0,5 por cento do PIB e o crescimento económico médio dos últimos anos, 2,6 por cento, é um o mais baixo dos países emergentes.

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