Angola

se não me engano, faz Angola

A viagem por Angola não tinha destino traçado. Mas Jordi Burch e Ondjaki acabaram por rumar a Sul. E desse deambular vieram imagens fotográficas e palavras em forma de poema que dão corpo à exposição se não me engano, faz Angola, na Plataforma Revólver, em Lisboa     

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Os fantasmas e os corpos invisíveis habitam os poemas de Ondjaki. Nas fotografias de Jordi Burch, os corpos (e os rostos) vão aparecendo desmaterializados ou muito carnais, um pouco como tese e antítese das palavras escolhidas pelo poeta. Pelo meio, ainda, o fotógrafo fixou o olhar na paisagem de céus carregados, que ora vão surgindo tingidos de laranja avermelhado, ora de verdes muito escuros. O diálogo entre estes dois homens e estas duas artes foi potenciado por uma viagem, a convite do Instituto Camões de Luanda, de mais de 2500 quilómetros por Angola, que aconteceu muito ao sabor da deriva geográfica e do encantamento pela forma como tomamos os lugares e os tornamos nossos. E quem olha para este casamento feliz entre as palavras e as imagens, que se distanciam mais do que se cruzam, como nos amores platónicos, o que encontra também são sinais cúmplices, como naquelas amizades fortes em que basta um leve aceno para que o outro perceba logo o que se está a passar. 

Para a exposição se não me engano, faz Angola, que pode ser vista na Plataforma Revólver, em Lisboa, até 2 de Maio, Jordi Burch (fotógrafo do colectivo kameraphoto radicado em São Paulo, Brasil) escolheu 18 imagens onde se intui o prazer pela viagem (sem mapa) e pela descoberta (sem condicionamentos?). “A ideia era estarmos juntos, viajando de carro (finalmente de carro...) por uma Angola que nos apetecesse, munidos do ritmo humano de uma amizade que acabávamos de inventar. Com o percurso aberto, afinal — fomos descobrindo... — rumamos para sul”, explicou a dupla na apresentação desta exposição no Museu Afro Brasil, São Paulo, primeira paragem onde foi mostrada. 

Aproveitando o potencial do inesperado na viagem, Jordi tentou manter-se o mais longe possível dos sujeitos fotografados, uma opção que aproxima as suas imagens de um ideal apolítico, à procura da utopia do olhar virgem, puro. “Tentei não entrar demasiado no espaço das pessoas. Mantive-me longe”, disse numa conversa de chat com a Revista 2 na qual se mostrou convicto de que “as pessoas naqueles lugares são mais elas quando vistas de longe do que quando são vistas de perto”. De perto do fotógrafo, “que vem de outro lugar”, condição que “transforma o comportamento de quem é fotografado”. Desta convicção nasceu ainda outro desafio visual que passa por “obrigar” quem vê as ampliações a preto-e-branco (que não são mais do que pormenores de pessoas presentes nas fotografias a cores) a distanciar-se, isto se quiserem perceber um pouco melhor os vultos que se soltam nas imagens. 

Neste jogo, a imagem esbate-se, deixa de ser o mais relevante, como nota o fotógrafo Martim Ramos (também do kameraphoto) num texto a propósito deste trabalho: “Esqueceste os nomes dos sítios e os rostos dos outros e que o mundo é redondo, porque isto já é sobre outra construção, é coisa que vem de dentro. Espremeste a vida com o olhar e ficou isto. (…) Aos poucos, desses lugares que inventas, acenam-me motivos que reconheço doutras paragens. Lembro-me das coisas que mais gosto e sinto-me preso ao que me rodeia e não sei se isto me faz bem ou me faz mal. Mas, definitivamente, não é de fotografia que se fala aqui.” 

Talvez não seja mesmo de fotografia que se fala aqui. Pode ser mesmo “coisa que vem de dentro”. De lugares onde, mais do que outra coisa, reina o silêncio.