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Rasgado

Rasga é um conjunto de imagens captadas, sobretudo, na cidade do Porto, desde 2012 e até há poucas semanas. O trabalho de Paulo Pimenta, fotojornalista do PÚBLICO, venceu o primeiro prémio Estação Imagem na ca-tegoria Artes e Espectáculo.

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Ao princípio, os cartazes eram mera informação para o fotógrafo. Paulo Pimenta olhava a amálgama de uns colados aos outros, alguns sobrepondo-se, sem pedir licença, e escolhia o que iria fazer nos próximos dias. A que concerto queria ir, que peça de teatro não queria perder. Depois, os cartazes deixaram de ser apenas folhas impressas e coloridas com informação necessária, para passarem a ser imagens artísticas, que já não podiam ser vistas da mesma forma. Que o fotógrafo escolheu ver de outra forma.

A mudança aconteceu com a percepção de que os cartazes já não eram inteiros, não eram os mesmos que tinham sido quando foram criados. Alguém passara por eles e, intencionalmente ou não, rasgara-os. Há um olho que falta aqui, deixando apenas uma boca a gritar, como se se queixasse da violação sofrida. Ali, é uma boca que falta, aparecendo, em substituição, um pedaço da parede que já lá estava. Mais à frente há um rosto desfigurado que deixa ver a textura rica que sob ele se escondia. De repente, o acto impensado (estudado?) de alguém que passou cria um novo e fantástico universo. Uma nova realidade que, enquadrada pelo olhar do fotógrafo, sempre à procura dos rostos nestas imagens bruscamente alteradas, parece ganhar uma intencionalidade que talvez nunca tenha existido.

A interacção humana com o cartaz imóvel é o que está expresso neste Rasga, captado, sobretudo, na cidade do Porto, desde 2012 e até há poucas semanas. Rasgar é aqui, mais do que nunca, dar uma nova vida ao que já existia. Uma beleza diferente da inicial, que só vemos porque o fotógrafo a quis mostrar. E o que acontece, quando, subitamente, os cartazes se escondem sob outros, uniformes, de uma só cor, sem rostos nem expressões? Foi esse o cenário com que Paulo Pimenta se deparou há algumas semanas na cidade. O que se passava? Estariam prestes a acabar as bocas separadas do rosto, os olhos vandalizados, os gestos deixados a meio pelo pedaço de papel arrancado? Não. Afinal, os cartazes vazios eram apenas uma forma de os “coladores de cartazes” escaparem à multa municipal, que começou a pesar, sobre os cartazes colados em sítios proibidos. O fotógrafo respira fundo. As filas de cartazes vazios de propósito não vão tomar conta da cidade. Os rostos a provocá-lo das paredes vão continuar a existir. Onde não puderem ser multados.