Medicamentos
O desespero de ser epiléptico na Venezuela
A grave recessão na Venezuela provocou a falta de medicamentos e os anticonvulsivantes estão entre os mais difíceis de encontrar.
Naquele dia, Marcos Heredia percorreu 20 farmácias à procura de um medicamento para o filho de oito anos que sofre de epilepsia. Em nenhuma delas encontrou aquilo que precisava para evitar que as convulsões causassem danos irreparáveis no cérebro do filho. “Não é possível encontrar os medicamentos e o governo não quer admitir isso”, disse o canalizador venezuelano de 43 anos, em entrevista à Reuters. “Liguei para pessoas nas cidades de San Cristóbal, Valência, Puerto La Cruz, Barquisimeto, e ninguém conseguiu encontrar o remédio". Heredia acabou por fazer uma viagem de autocarro de 860 quilómetros até à fronteira colombiana, onde um primo lhe entregou o medicamento que tinha comprado no país vizinho. No dia seguinte, Heredia foi trabalhar. Passado um ano, Marcos, o rapaz com mesmo nome do pai, deixou de rir e precisa de apoio para ficar sentado. Aos poucos, foi perdendo a curiosidade pelo mundo exterior, que lhe passa agora ao lado.
A grave recessão na Venezuela provocou, para além de escassez de alimentos, a falta de medicamentos e os anticonvulsivantes estão entre os mais difíceis de encontrar. De acordo com a organização de apoio à epilepsia baseada em Caracas, LIVECE, estima-se que entre dois a três milhões de venezuelanos sofram de epilepsia em algum momento das suas vidas. Devido a convulsões não tratadas, as pessoas com incapacidades graves que tinham conseguido melhorar a sua mobilidade ou fala deixaram de conseguir evoluir. Assim como Heredia, os pacientes e as suas famílias tentam de tudo para conseguir os medicamentos, desde trocá-los por fraldas, envolver-se em grupos de WhatsApp criados especificamente para trocas farmacêuticas ou consumir remédios fora do prazo de validade. Alguns pacientes chegam até a tomar medicamentos que não são os indicados para os seus problemas de saúde.
Há um ano, Leonardo Colmenares, um rapaz de seis anos diagnosticado com epilepsia e uma doença neurológica degenerativa, pesava dez quilos. Passado seis meses, perdeu mais dois quilos. A mãe não conseguiu ter meios financeiros para manter a dieta recomendada. "Vendo pulseiras e relógios, compro pão e revendo-o, seco cabelos, faço pedicures, cozinho, alugo a máquina de lavar roupa e o ferro", disse Norymar Torres, mãe solteira que deixou o emprego como analista financeira para cuidar do filho. Sem anticonvulsivantes em casa, sempre que Leonardo tem convulsões, Norymar é obrigada a levá-lo ao hospital. "Não posso ir simplesmente a um parque com ele porque posso ter de sair de lá a correr de repente", disse Torres, tentando conter as lágrimas. "Ando sempre com o coração nas mãos”.
Mas não são apenas as pessoas epilépticas que sofrem com a escassez de medicamentos antiepilépticos. Convulsões inesperadas também podem ocorrer em crianças que passam fome, vítimas de acidentes ou pessoas com outras condições neurológicas. Um bebé de dois anos, Carlos Baute, começou inesperadamente a tremer e a sufocar quando teve febre em Janeiro. A sua mãe percorreu vários hospitais que não tinham nem medicamentos nem equipamento para o ajudar, até encontrar um hospital onde o bebé pudesse ser tratado. Mas Carlos ainda pode sofrer outro ataque, e nessa altura os medicamentos podem estar novamente esgotados.
Num discurso recente, o Presidente venezuelano Nicolás Maduro disse que tinha sido aprovado um "grande investimento em dólares" para aumentar a disponibilidade de medicamentos, sem fornecer mais detalhes, acrescentando que a Venezuela está preparada para abrir três laboratórios médicos com a Palestina. "Precisamos de resolver esta questão muito delicada que foi criada pela guerra económica", disse Maduro. Os Ministérios de Informação e Saúde da Venezuela bem como o Instituto de Previdência Social, que supervisiona alguns hospitais e a distribuição de medicamentos não deram resposta aos pedidos de esclarecimento enviados pela agência Reuters.