Medicamentos

O desespero de ser epiléptico na Venezuela

A grave recessão na Venezuela provocou a falta de medicamentos e os anticonvulsivantes estão entre os mais difíceis de encontrar.

Lusnay Echezuria segura a filha de três anos, Arioska Torres, em sua casa. A criança sofre de problemas neurológicos Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
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Lusnay Echezuria segura a filha de três anos, Arioska Torres, em sua casa. A criança sofre de problemas neurológicos Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS

Naquele dia, Marcos Heredia percorreu 20 farmácias à procura de um medicamento para o filho de oito anos que sofre de epilepsia. Em nenhuma delas encontrou aquilo que precisava para evitar que as convulsões causassem danos irreparáveis no cérebro do filho. “Não é possível encontrar os medicamentos e o governo não quer admitir isso”, disse o canalizador venezuelano de 43 anos, em entrevista à Reuters. “Liguei para pessoas nas cidades de San Cristóbal, Valência, Puerto La Cruz, Barquisimeto, e ninguém conseguiu encontrar o remédio". Heredia acabou por fazer uma viagem de autocarro de 860 quilómetros até à fronteira colombiana, onde um primo lhe entregou o medicamento que tinha comprado no país vizinho. No dia seguinte, Heredia foi trabalhar. Passado um ano, Marcos, o rapaz com mesmo nome do pai, deixou de rir e precisa de apoio para ficar sentado. Aos poucos, foi perdendo a curiosidade pelo mundo exterior, que lhe passa agora ao lado.

A grave recessão na Venezuela provocou, para além de escassez de alimentos, a falta de medicamentos e os anticonvulsivantes estão entre os mais difíceis de encontrar. De acordo com a organização de apoio à epilepsia baseada em Caracas, LIVECE, estima-se que entre dois a três milhões de venezuelanos sofram de epilepsia em algum momento das suas vidas. Devido a convulsões não tratadas, as pessoas com incapacidades graves que tinham conseguido melhorar a sua mobilidade ou fala deixaram de conseguir evoluir. Assim como Heredia, os pacientes e as suas famílias tentam de tudo para conseguir os medicamentos, desde trocá-los por fraldas, envolver-se em grupos de WhatsApp criados especificamente para trocas farmacêuticas ou consumir remédios fora do prazo de validade. Alguns pacientes chegam até a tomar medicamentos que não são os indicados para os seus problemas de saúde.

Há um ano, Leonardo Colmenares, um rapaz de seis anos diagnosticado com epilepsia e uma doença neurológica degenerativa, pesava dez quilos. Passado seis meses, perdeu mais dois quilos. A mãe não conseguiu ter meios financeiros para manter a dieta recomendada. "Vendo pulseiras e relógios, compro pão e revendo-o, seco cabelos, faço pedicures, cozinho, alugo a máquina de lavar roupa e o ferro", disse Norymar Torres, mãe solteira que deixou o emprego como analista financeira para cuidar do filho. Sem anticonvulsivantes em casa, sempre que Leonardo tem convulsões, Norymar é obrigada a levá-lo ao hospital. "Não posso ir simplesmente a um parque com ele porque posso ter de sair de lá a correr de repente", disse Torres, tentando conter as lágrimas. "Ando sempre com o coração nas mãos”.

Mas não são apenas as pessoas epilépticas que sofrem com a escassez de medicamentos antiepilépticos. Convulsões inesperadas também podem ocorrer em crianças que passam fome, vítimas de acidentes ou pessoas com outras condições neurológicas. Um bebé de dois anos, Carlos Baute, começou inesperadamente a tremer e a sufocar quando teve febre em Janeiro. A sua mãe percorreu vários hospitais que não tinham nem medicamentos nem equipamento para o ajudar, até encontrar um hospital onde o bebé pudesse ser tratado. Mas Carlos ainda pode sofrer outro ataque, e nessa altura os medicamentos podem estar novamente esgotados.

Num discurso recente, o Presidente venezuelano Nicolás Maduro disse que tinha sido aprovado um "grande investimento em dólares" para aumentar a disponibilidade de medicamentos, sem fornecer mais detalhes, acrescentando que a Venezuela está preparada para abrir três laboratórios médicos com a Palestina. "Precisamos de resolver esta questão muito delicada que foi criada pela guerra económica", disse Maduro. Os Ministérios de Informação e Saúde da Venezuela bem como o Instituto de Previdência Social, que supervisiona alguns hospitais e a distribuição de medicamentos não deram resposta aos pedidos de esclarecimento enviados pela agência Reuters.

Leonardo Colmenares tem seis anos e foi diagnosticado com epilepsia e uma doença neurológica degenerativa. A mãe, Norymar Torres, deixou o emprego como analista financeira para cuidar do filho
Leonardo Colmenares tem seis anos e foi diagnosticado com epilepsia e uma doença neurológica degenerativa. A mãe, Norymar Torres, deixou o emprego como analista financeira para cuidar do filho Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Leonardo pesa menos que 10 quilos. A mãe não tem poder financeiro para manter a dieta recomendada. "Vendo pulseiras e relógios, compro pão e revendo-o, seco cabelos, faço pedicures, cozinho, alugo a máquina de lavar roupa e o ferro", disse Norymar
Leonardo pesa menos que 10 quilos. A mãe não tem poder financeiro para manter a dieta recomendada. "Vendo pulseiras e relógios, compro pão e revendo-o, seco cabelos, faço pedicures, cozinho, alugo a máquina de lavar roupa e o ferro", disse Norymar Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
"Não posso ir simplesmente a um parque com ele porque posso ter de sair de lá a correr de repente", disse Torres, tentando conter as lágrimas. "Ando sempre com o coração nas mãos”
"Não posso ir simplesmente a um parque com ele porque posso ter de sair de lá a correr de repente", disse Torres, tentando conter as lágrimas. "Ando sempre com o coração nas mãos” Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
A avó de Leonardo deita o menino na cama, na sua casa em Caracas, Venezuela
A avó de Leonardo deita o menino na cama, na sua casa em Caracas, Venezuela Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Miguel Anton dá banho ao filho de 11 anos, Jose Gregorio Anton, na sua casa em La Guaira, Venezuela
Miguel Anton dá banho ao filho de 11 anos, Jose Gregorio Anton, na sua casa em La Guaira, Venezuela Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Jose Gregorio Anton sofre de problemas neurológicos
Jose Gregorio Anton sofre de problemas neurológicos Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Pai segura o filho para tirar uma foto para o seu cartão de identidade
Pai segura o filho para tirar uma foto para o seu cartão de identidade Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Miguel Anton conforta o filho após fazer análises ao sangue
Miguel Anton conforta o filho após fazer análises ao sangue Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Um vizinho beija Jose Gregorio Anton no rosto
Um vizinho beija Jose Gregorio Anton no rosto Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Miguel Anton dá de comer ao filho em casa
Miguel Anton dá de comer ao filho em casa Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Ismael Blanco, de seis anos, dorme enquanto lhe é feito um electrocardiograma
Ismael Blanco, de seis anos, dorme enquanto lhe é feito um electrocardiograma Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Geovelis Ramos, uma bebé de sete meses que sofre de problemas neurológicos, é examinada por um médico numa clínica em La Guaira, Venezuela
Geovelis Ramos, uma bebé de sete meses que sofre de problemas neurológicos, é examinada por um médico numa clínica em La Guaira, Venezuela Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Iberis Vargas segura a filha enquanto lhe é feito um electrocardiograma na clínica
Iberis Vargas segura a filha enquanto lhe é feito um electrocardiograma na clínica Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Jineth Estevez segura o filho Carlos Baute de dois anos enquanto espera para pedir uma consulta de neurologia e um exame de electrocardiograma para o filho
Jineth Estevez segura o filho Carlos Baute de dois anos enquanto espera para pedir uma consulta de neurologia e um exame de electrocardiograma para o filho Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
O bebé começou inesperadamente a tremer e a sufocar quando teve febre em Janeiro. Jineth Estevez percorreu vários hospitais até encontrar um onde o filho pudesse ser tratado
O bebé começou inesperadamente a tremer e a sufocar quando teve febre em Janeiro. Jineth Estevez percorreu vários hospitais até encontrar um onde o filho pudesse ser tratado Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Tatiana Rocha dá banho ao filho de dois anos, Kaleth Heredia, que sofre de problemas neurológicos e toma anticonvulsivantes
Tatiana Rocha dá banho ao filho de dois anos, Kaleth Heredia, que sofre de problemas neurológicos e toma anticonvulsivantes Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
A avó segura Kaleth Heredia na sua casa em Caracas, Venezuela
A avó segura Kaleth Heredia na sua casa em Caracas, Venezuela Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Avó e neto
Avó e neto Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Isai Rocha, de 14 anos, beija o irmão
Isai Rocha, de 14 anos, beija o irmão Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Tatiana Rocha passeia com o filho num parque infantil
Tatiana Rocha passeia com o filho num parque infantil Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
A mãe dá de comer ao filho
A mãe dá de comer ao filho Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Mãe e filho na sua casa em Caracas, Venezuela
Mãe e filho na sua casa em Caracas, Venezuela Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS