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António Júlio voltou ao Japão. E continua sem perceber nada

As imagens de Japan Drug, o novo livro do fotógrafo, repousaram durante mais de 15 anos. O arquivo deu sinais de inquietação e o período de estágio acabou.

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Não era bem uma pedra no sapato. Mas o Japão que António Júlio Duarte fotografou em 1997 era um corpo de trabalho longe de estar arrumado. O fotógrafo tinha mostrado no Centro Português de Fotografia uma ínfima parte das milhares de imagens que captou. Na altura, não tinha compreendido muitas delas. Não tinha reparado na sua força ou, mais fatalmente, “não as soube ver”. Quando há cerca de dois anos decidiu regressar ao que tinha feito nessa viagem, sentiu-se “a fotografar outra vez”.

O livro Japan Drug, que acaba de ser editado pela Pierre von Kleist, é o resultado desse exercício de marcha-atrás que o fotógrafo classifica de “libertador” e “inspirador”, por tudo o que permitiu “compreender”. Por exemplo, compreender de onde vieram muitas das fotografias que foram feitas agora. Apesar de o agora ser coisa que pouco interessa a António Júlio Duarte, fotógrafo da paciência, para quem 17 anos é “pouco tempo”. É por isso que vê neste regresso às imagens que captou no Japão um acto de “resistência” e de afirmação contra uma cultura imediatista de divulgação e partilha de imagens, que não deixa que as fotografias repousem. “As imagens precisam de tempo, precisam de assentar, são como o vinho.”

Antes dos dípticos de Japan Drug, deambulação pura e circular, António Júlio Duarte mostrou em Guimarães, no ano passado, muitas provas de contacto desses meses nipónicos. O livro era para ter sido publicado por ocasião da exposição no Centro Cultural Vila Flor. Teria sido o casamento perfeito (permitiria perceber melhor o seu método de trabalho, as escolhas que faz), mas não foi. E este lado ziguezagueante do próprio processo de concretização de Japan Drug (demorou cerca de dois anos a chegar à estampa) é coisa que agrada ao fotógrafo que vê virtudes nesta falta de linearidade, uma certa desorientação que encontra paralelo na deriva com que fotografou no Japão. Na verdade, este vasculhar no arquivo já deu origem a outro livro, Deviation of the Sun (2013), a face oposta, e a mesma, da passagem de António Júlio Duarte pelo Japão. “São dois livros complementares. Deviation… mostra o trabalho à noite, Japan… revela o de dia. Funcionam como dois turnos, são duas pessoas e dois fotógrafos diferentes. Precisava que ambos tomassem a forma de livro para que ficassem resolvidos. Arrumados.”

Se as fotografias se podem arrumar (em livros, em gavetas…), as coisas que nelas se mostram dificilmente podem ter essa ambição. O Japão que entrou pela lente de António Júlio Duarte continua uma incógnita para o fotógrafo. Um ocidental “nunca conseguirá perceber este país”. Coincidência: enquanto trabalhava em Japan Drug, António descobriu a obra de Lafcadio Hearn (1850-1904), jornalista americano que se apaixonou pelo Japão (e por uma japonesa) e lá se fixou. Nos seus livros, perpassa uma ideia — não se pode compreender o Japão, tudo é o contrário do que esperávamos. E até aqui a experiência de António Júlio Duarte correspondeu “a todos os clichés que levava”. Mas também foi capaz de ser surpreendente. “Sempre”.