O jornalismo de investigação em Portugal está em crise

Há algumas semanas falou-se sobremaneira na comunicação social sobre o caso dos cheques passados pela Universidade Moderna a Paulo Portas com valores relativamente elevados, e para os quais o ministro da Defesa não tinha contabilidade justificativa. Portas veio depois a terreiro esclarecer que esse dinheiro tinha servido para pagar aos estudantes que faziam os inquéritos, mas que não passavam qualquer recibo dos valores que recebiam pelo trabalho.

"Se houvesse investigação jornalística em Portugal, os jornalistas teriam saído das redacções e iam para a rua à procura desses estudantes, faziam as contas de quanto estes tinham realmente recebido e conferiam se tais valores coincidiam com os dos cheques. Já passou um mês e ninguém publicou nada. Esta é a prova de que não há jornalismo de investigação." A dedução é de Joaquim Vieira, jornalista e director do Observatório de Imprensa, que ontem abriu o seminário sobre "Reportagem e Investigação no Jornalismo Contemporâneo", organizado pela Fundação Oriente, com a coordenação do jornalista José Vegar, a decorrer na Arrábida até amanhã.

Para Joaquim Vieira, o jornalista é "uma espécie de fiscal não eleito representativo da opinião pública" e, ainda que a investigação seja "uma actividade inerente a toda a actividade jornalística", ela toma mais importância quando o alvo é o poder - independentemente se é o político, o económico, o religioso ou qualquer outro que tenha "uma parte oculta".

E como se sabe que uma história é uma boa história, que vale a pena ser investigada? "Por intuição", essencialmente, mas também por alguma sorte e "um sussurro de uma fonte".

O jornalismo de investigação começou por ser um conceito desenvolvido na tradição anglo-saxónica e Joaquim Vieira recorda o caso Watergate como um marco para a história do jornalismo. "Não vale a pena pensar em jornalismo de investigação numa ditadura. Por isso, nos países latinos, o conceito só ganhou força já no final dos anos 70, quando os regimes democráticos começaram verdadeiramente a ganhar raízes."

Em Portugal, acrescenta o jornalista e ex-director de Programas da RTP, a investigação ganhou ainda mais força com o aparecimento das televisões privadas e a concorrência no prato forte de então: a informação.

Mas o entusiasmo esfriou nestes últimos anos. Por quê? Primeiro que tudo porque "é caro". Com a crescente crise do mercado, "é difícil conceber a ideia de afectar um ou dois jornalistas durante semanas a uma única história". Depois porque "os resultados são incertos e todo o trabalho de semanas pode não dar mais do que uma breve", e quando se consegue uma história "é preciso que não haja choque entre o direito à imagem dos visados e o direito colectivo à informação". A que acresce por vezes a auto-censura quando se percebe que a matéria é tão forte que "põe em causa determinados poderes" ou que colide com os interesses comerciais do órgão de comunicação social.

Actualmente, afirma Joaquim Vieira, a investigação na imprensa "faz-se essencialmente no PÚBLICO e no 'Expresso'. O primeiro talvez não faça mais por uma questão de dinheiro." Mas a tendência, acredita, "é para o desaparecimento do jornalismo de investigação". Hoje em dia "faz-se mais investigação judicial do que jornalística", e os jornalistas "tendem a escrever a partir não do que investigam, mas com base nas peças judiciais, nos processos". E aponta o caso d' "O Independente" que, durante anos, publicou notícias "sem falar com as pessoas envolvidas por considerar que lhe bastava ter os documentos. E depois tinha que publicar desmentidos."

Sugerir correcção
Comentar