Jornal "cor-de-rosa" nasceu há 40 anos no Funchal

"Comércio do Funchal" assumiu relevante papel no contexto da resistência à ditadura

A 31 de Dezembro de 1966 saiu o primeiro número do Comércio do Funchal, um semanário impresso no seu inconfundível papel cor-de-rosa que, nascido numa ilha como aventura de jovens, viria a assumir grande importância no contexto da resistência à ditadura em Portugal.Sob a coordenação de Vicente Jorge Silva, o "jornal cor-de-rosa", como era vulgarmente designado o semanário, congregou pessoas ligadas por laços de amizade, de companheirismo, de típicas aventuras jornalísticas de adolescência, mas com uma carência extraordinária de politização, para além de certas "opções" muito idealistas, primárias, ingénuas. "Quando deitámos os primeiros foguetes no último dia de 1966, estávamos longe de adivinhar que o nosso pequeno jornal madeirense se tornaria, cerca de um ano depois, o título mais requisitado da imprensa regional à escala do país, porventura o mais lido entre a juventude universitária e os milicianos destacados nas colónias", reconhece o principal dinamizador daquele projecto.
"Eu acabara de fazer 21 anos e, uma noite, o Artur Andrade, contrabaixista no Casino, veio anunciar-nos, muito excitado, que tinha alugado o título de um jornal sem leitores que então se editava na Madeira. O jornal chamava-se Comércio do Funchal, um título ingrato, mas o nosso pequeno grupo percebeu que estava ali a oportunidade com que sempre sonháramos desde os tempos das páginas juvenis e de "artes e letras" que fôramos publicando na imprensa local. Era a oportunidade de termos um jornal nosso, contra o paroquialismo sufocante e a fealdade gráfica dos outros jornais regionais. Imprimimo-lo em papel cor-de-rosa para sublinhar a diferença", conta Vicente Jorge Silva, que recorda, entre outros fundadores, os nomes de José Manuel Barroso, Vítor Rosado, António Aragão, Luís Angélica, Ricardo França Jardim. José Manuel Coelho, Duarte Sales Caldeira.
Aquele que foi mais tarde o primeiro director do PÚBLICO atribui o inesperado sucesso "em grande parte, à juventude, à paixão e à militância de quem colaborava no CF", sigla entretanto adoptada para diluir o "comercial" do título. E "também porque conseguimos tirar partido da relativa brandura dos costumes locais e da proximidade dos censores, com quem negociávamos ferreamente a passagem dos textos mais problemáticos".
Apesar de todas as restrições, recorda, "ousávamos publicar coisas que seriam quase impensáveis na imprensa continental e isso mobilizou a atenção de amigos mas também de inimigos". Por isso o jornal acabou por sofrer uma suspensão de vários meses depois de uma edição inspirada pelo Maio de 68, antes de Salazar ter caído da cadeira. Foi a partir dessa altura que o CF entrou em força no Continente, chegando a vender 15 mil exemplares, um verdadeiro sucesso para a época.
Até ao 25 de Abril de 1974, o CF tratava de forma arejada, crítica e tão incisiva quanto possível, os problemas da Madeira, sem esquecer os temas nacionais, estes de abordagem mais complicada, devido à censura, e actualidade internacional então marcada pela guerra do Vietname, cuja análise constituía a única forma de reflectir indirectamente a nossa própria guerra colonial. Desses tempos iniciais merecem destaque as manchetes alusivas a dois grandes debates, um sobre a situação do turismo e outro relativo à cultura na Madeira, que, com a intervenção de personalidades locais, incluindo do regime, contribuíram para uma consciência cívica e política da realidade madeirense, particularmente através do debate público do primeiro Plano Director do Funchal, apoiado pelo jornal em papel cor-de-rosa.

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