Tribunal de Contas exige que concessão dos transportes seja “sustentada” em estudos que estão por fazer

Tribunal foi ver o destino dado a centenas de recomendações feitas em auditorias anteriores às empresas do sector. Governo foi o mais incumpridor.

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O Tribunal de contas já recomendara uma simplificação do zonamento e tarifas do Andante, no Grande Porto, mas isso está ainda por fazer João Guilherme

As concessões do serviço de transporte de passageiros actualmente prestado por empresas públicas em Lisboa e no Porto têm de ser sustentadas “em documentos de planeamento estratégico” que permitam uma contratualização do “serviço público” a prestar pelas concessionárias. A exigência do Tribunal de Contas está inscrita num relatório de auditoria destinado a perceber o resultado de centenas de recomendações feitas por aquela entidade em acções inspectivas ao sector, nos últimos anos e que foi conhecido esta sexta-feira. De 25 recomendações por cumprir, 19 tinham sido imputadas ao Governo.

Depois das dúvidas suscitadas por municípios e por partidos da oposição, o Tribunal de Contas vem pôr em causa a metodologia seguida pelo Governo para a concessão dos vários serviços de transporte público. No momento em que já foi colocado em marcha o concurso para a concessão da Metro do Porto e da STCP (ver texto ao lado), o TC levanta questões gerais sobre todo o sector, recomendando, desde logo, que a tutela contratualize com as empresas públicas “a prestação do serviço público”, ou seja, o âmbito e as condições de remuneração de carreiras que, comercialmente, não são rentáveis, mas que se entendem obrigatórias (transporte à noite, para zonas mais afastadas ou com menor procura, por exemplo).

Neste momento, esse serviço é pago por via de indemnizações compensatórias calculadas tendo em conta a oferta e procura dos operadores e não tanto uma análise das necessidades das populações, pois os inquéritos à mobilidade e o consequente Plano de Deslocações Urbanas, estudos essenciais para a elaboração de um Programa Operacional de Transportes, continuam por executar. Estas eram três das mais dispendiosas e demoradas atribuições das autoridades metropolitanas de transporte de Lisboa e do Porto, que, desde 2009, nunca tiveram recursos humanos e financeiros para levar a cabo, ou encomendarem, esses trabalhos.

Na resposta ao relatório, a Secretaria de Estado dos Transportes garante no entanto que, desde 2012, fez “a adequação das redes de transportes públicos nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, envolvendo um vasto trabalho de análise e diagnóstico das redes existentes. E garante ter feito ainda “a análise aprofundada dos possíveis modelos contratuais e financeiros” para a concessão que quer promover e no âmbito da qual está a preparar os contratos de serviço público respectivos. Explicações que não demoveram o Tribunal de Contas de recomendar que os estudos estratégicos em falta sejam feitos a tempo de “sustentarem” as concessões que estão a ser lançadas.

A situação está a causar algum alvoroço no Porto, onde o processo de concessão já foi colocado em marcha. O tema estava agendado para a reunião do conselho metropolitano desta sexta-feira, mas os autarcas da região decidiram adiar, para a próxima quarta-feira, o debate sobre a Metro e da STCP. O vice-presidente, o socialista Joaquim Couto, que dirigiu a reunião na ausência do presidente, o social-democrata Hermínio Loureiro, explicou que “face à gravidade da situação” o tema seria abordado numa reunião especificamente convocada para o efeito.

Os autarcas presentes concordaram, mas o presidente da Câmara de Valongo, José Manuel Ribeiro (PS), fez questão de afirmar que está “muito preocupado” com a concessão dos transportes públicos e os efeitos que essa decisão poderá ter no município a que preside. “Não sabemos se está salvaguardado o serviço público. O risco maior num território como Valongo é o de criarmos guetos onde as pessoas ficam impedidas de se movimentar. Falo de um município onde este problema já existe”, disse.

No final da reunião, Joaquim Couto disse aos jornalistas que o resultado da auditoria do TC confirma “aparentemente” os receios já levantados pelos autarcas em relação à concessão. “O processo não está bem fundamentado, nomeadamente por falta de estudos de mobilidade”, disse o vice-presidente do CMP e também presidente da Câmara de Santo Tirso defendeu que “o Governo está a fazer reformas que interferem de forma violenta com a região, como a reorganização dos serviços de saúde”, o que a seu ver torna ainda mais premente a existência de um estudo de mobilidade, que sirva de base à concessão.

O TC levanta outra questão que, na perspectiva dos auditores teria de ser resolvida antes de uma mudança de operador. Trata-se da simplificação do zonamento tarifário da Área Metropolitana do Porto que, como está, prejudica em alguns casos os utentes e, noutras situações, tem sido um entrave à adesão voluntária de mais empresas ao sistema Andante. Tendo em conta que o prazo para as próximas concessões é de sete a dez anos, qualquer alteração que venha a ser feita entretanto pode bem ser invocada pelas empresas que explorarem o serviço da Metro ou da STCP para pedirem indemnizações por alteração das condições e do retorno expectável com o negócio, com prejuízo para o erário público, explicou ao PÚBLICO uma fonte do sector.

Acabar com indemnizações compensatórias
O Governo já anunciou que pretende atirar o risco da exploração do serviço de transportes de passageiros para os novos concessionários, deixando de pagar indeminizações compensatórias. No quadriénio 2009 a 2012, a cujos dados o Tribunal de Contas teve acesso nas diligencias efectuadas no último trimestre de 2013, aqueles pagamentos por conta do “serviço público” já haviam caído de 127 para 101 milhões de euros, mas o Orçamento para 2013 já previa nova subida, com um valor inscrito de 111,6 milhões.

As indeminizações estavam a ser calculadas em função dos passageiros transportados (Carris e Metro de Lisboa transportavam 67% do total de pessoas e receberam 67% do valor de compensação), “e não tendo em conta o custo da operação”, alerta o Tribunal de Contas. Cada passageiro custou neste quadriénio 22 cêntimos ao Estado, tendo esse valor situado-se nos 20 cêntimos em 2012. Os passageiros da STCP foram os menos beneficiados, tendo custado 18 cêntimos por viagem na média dos quatro anos e apenas 13 cêntimos no último ano analisado pelo TC neste relatório agora divulgado.  
 

   

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