Tornado confirmado em Paredes, duas fábricas destruídas e 50 desalojados

Primeira avaliação de meteorologistas aponta para a passagem de um tornado, durante a madrugada de sábado. População contabiliza estragos.

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Nelson Garrido
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Transportar a imagem de Nossa Senhora de Fátima exigiu esforço a Ana Oliveira. Levava a escultura de mármore branco agarrada contra o peito e o corpo curvado. “Já viste que nenhum dos meus irmãos veio aqui ajudar?”, comenta. A tempestade da madrugada de sábado deixou o cemitério de Duas Igrejas, em Paredes, destruído, mas o desabafo é pessoal: “Sobra sempre para mim”.

A noite foi de sobressalto em várias partes do país. O temporal deixou 50 pessoas sem casa no concelho de Paredes. Os bombeiros de Lordelo falam na passagem de “uma espécie de tornado” e o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) confirma. "Numa primeira análise, tudo aponta para que tenha sido um tornado, mas a confirmação oficial só chegará durante a semana", disse ao PÚBLICO o meteorologista Ricardo Tavares, do IPMA.

Mas é no cemitério da freguesia de Duas Igrejas, no concelho de Paredes, que se centraram as atenções da população. A força do vento que atingiu o concelho foi suficiente para arrancar a imagem do local sobre a sepultura dos pais de Ana. “Está tudo destruído. O tampo da campa está partido em quatro, como se alguém lhe tivesse atirado uma pedra para cima”. À volta, há dezenas de jazigos com esculturas caídas, pedras de mármore e granito quebradas. E a terra, que por baixo delas se costuma esconder, à mostra.

Em Ovar, no distrito de Aveiro, a principal preocupação foi a subida da água do mar, que atingiu cafés na zona do Furadouro e danificou o posto de praia dos bombeiros. À tarde, as autoridades ainda estavam em alerta perante a previsão de ondulação forte. Na zona de Espinho, a subida do mar causou também pequenas inundações.

Na cidade de Lisboa, o temporal provocou 22 inundações e a queda de pequenas estruturas. Caíram também revestimentos, cabos eléctricos e algumas árvores. Na Ponte 25 de Abril, a faixa esquerda foi cortada durante a manhã nos dois sentidos. Foi desaconselhada a circulação de pesados revestidos com lonas. Na outra travessia rodoviária do Tejo, a Ponte Vasco da Gama, as autoridades recomendaram que a velocidade máxima de circulação não ultrapassasse os 90 km/hora.

Em Évora, houve registo de dez pequenas inundações e de outras tantas árvores caídas. O vento forte arrancou um placard publicitário e chapas que delimitavam uma obra, mas não há grandes danos ou vítimas a registar. Em Beja,  pequenas inundações e quedas de árvores, bem como dois acidentes rodoviários, dos quais resultaram três feridos ligeiros.

No distrito de Portalegre, a chuva e o vento provocaram 11 quedas de árvores em vários concelhos e uma pequena inundação numa via e o deslizamento de um muro, informaram os bombeiros. Noutras zonas, houve incidentes menores. Mas nada gerava tanta preocupação como em Paredes.

Alertados pelas notícias, os habitantes da freguesia de Duas Igrejas acorreram ao cemitério para perceber em que estado estavam os jazigos familiares. A sepultura do pai e dos avós de Maria Manuela Silva não ficou muito destruída. Apenas os dois livros de granito negro com os nomes e as fotografias dos três familiares foram partidos pelo vento. “Nem aqui estão sossegados”, desabafa.

O rasto de destruição estende-se numa área em torno de cemitério e atingiu também a igreja . Do seu interior, à hora do almoço alguns moradores ajudaram a retirar as imagens dos santos e os bancos usadas nas missas. Foi a forma de os proteger da chuva que agora cai directamente no chão do templo, devido à falta de telhas na cobertura. O relógio da igreja continua a marcar 3h05. Foi a hora a que aquele local foi atingido pela tempestade e os ponteiros ficaram parados.

Marisa Martins despertou sobressaltada num dos prédios junto à igreja. Conta como foi: “Acordei com um trovão e reparei que a luz tinha ido abaixo. O meu marido ainda me disse para ter calma, mas, passado uns segundos, começámos a ouvir um barulho que parecia que a casa se ia alagar toda”. A força do vento arrancou a janela do quarto em que os pais dela costumam dormir. Na sala de jantar, a tempestade forçou as persianas de tal forma que agora não se mexem. E há um rasto de vidros partidos pelas escadas e água acumulada na entrada, onde a porta de alumínio também foi arrancada pelo vento.

O momento em que a tempestade se abateu sobre a casa de Marisa é descrito como “uma coisa de segundos”: “Ia tudo pelo ar e não havia luz. Ouvia gritos por todo o lado. E aquele barulho do vento…”. São relatos como este que levam bombeiros e Protecção Civil a falar em “tornado”. A própria autarquia teve “alguma precaução” em usar o termo, diz a vereadora Maria Hermínia Moreira, mas, face à dimensão dos estragos, à violência e localização da destruição, passou também a usá-lo.

O comandante dos bombeiros de Lordelo, Pedro Alves, coordenava a operação. Percorrida toda a zona afectada, falava em pelo menos 50 pessoas desalojadas, umas 60 casas afectadas, duas fábricas desfeitas, mais de 20 carros atingidos, dezenas de árvores arrancadas, uns quantos postes tombados.

“Penso que passou por aqui uma espécie de tornado", comentava Pedro Alves. A vereadora Hermínia Moreira também falava num "minitornado”, capaz de deixar “um rasto de destruição" ao longo de quatro freguesias do concelho. Além de Duas Igrejas, também Sobrosa, Lordelo e Vilela foram atingidas. Nesta última localidade, a cobertura do pavilhão da escola foi levada pelo vento.

Algumas casas serão próprias e outras arrendadas. Algumas famílias não têm um seguro que lhes valha nesta hora. "Quatro ou cinco habitações ficaram completamente destruídas", explicou o comandante. E "não será fácil" recuperar muitas outras: perderam telhas, caixilharia, vidros.

A grande maioria dos desalojados foi realojada em casas de familiares, mas a autarquia teve que encontrar soluções para quatro pessoas sem família na região. "A câmara dispõe de alguns espaços que as podem acolher", esclareceu. "Não é tão confortável como ficar com familiares, mas é uma opção. Algumas pessoas são idosas e até podem ficar nalgum lar."

Durante a tarde, a ajuda chegou para quatro famílias: a Portugal Telecom informou que, no âmbito da sua política de responsabilidade social, vai entregar quatro casas prefabricadas, de tipologia T2, com "todas as condições de habitabilidade definitivas".

Numa extensão de alguns quilómetros era possível ver ecopontos caídos a dezenas de metros dos locais habituais, carros destruídos, árvores partidas, casas sem telhas e postes de electricidade tombados. Em Vilela, uma torre de média tensão ficou dobrada num ângulo quase recto. E as chapas de zinco que se libertaram das construções à volta penduraram-se nos cabos eléctricos retorcidos como se fossem pedaços de tecido. Devido a situações como esta, o fornecimento de energia eléctrica estava cortado em várias freguesias do concelho de Paredes e equipas de técnicos tentaram minimizar a situação durante toda a tarde de ontem.

O grau de destruição levou a autarquia a pedir ao Governo que seja declarado o estado de calamidade. Desta forma, será possível ter acesso a fundos de emergência que possam minimizar os danos causados. “São muitos os estragos ao longo do percurso que o tornado fez”, sustenta Maria Hermínia Moreira.

Fernando Cantelo, empresário, a quem o vento destruiu o armazém de mobílias que tinha construido há 13 anos, julga ter seguro para cobrir os estragos. Os pinheiros e eucaliptos à volta da empresa têm as copas arrancadas. Há várias chapas de metal espalhadas em torno do local, algumas das quais presas no topo das árvores. Eram parte do tecto do armazém agora completamente destruído.

A chuva caía, por isso, sobre os móveis. Fernando olhava o local mais uma vez e desabafou: “É a desolação total de uma vida de trabalho”. Uma outra empresa de confecções, situada uns metros adiante, foi também destruída. Cerca de meia dezena de outras unidades industriais na mesma área foram atingidas com menor gravidade. Agora, é preciso fazer contas aos prejuízos: “Ainda nem tive cabeça para me debruçar sobre isso”.

O IPMA previa uma ligeira melhoria do estado do tempo a partir da tarde de sábado. No entanto, a chuva e o vento forte vão regressar na segunda-feira. No domingo, deverá manter-se a chuva e vento mais fracos, mas para segunda-feira prevê-se "chuva mais forte e vento forte com rajadas", segundo o meteorologista Ricardo Tavares. Admite-se que possa ser emitido um novo aviso meteorológico na segunda-feira. Quanto à agitação marítima, o aviso laranja, o segundo mais grave numa escala de quatro, foi alargado em toda a costa até ao início deste domingo. "Até ao dia 8 [quarta-feira], o aviso vai estar entre amarelo e laranja", afirmou.
 
 
 
 
 

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